FABRÍCIO ( FAFÁ )

Quero fazer um adendo ao texto seguinte mostrando que a vida nos causa muitas surpresas tantos boas quanto ruins ,porém devemos respeitar a tudo e a todos ,desde uma pequena formiguinha até um elefante . A discriminação sexual imposta pela sociedade evangélica é cruel . Abaixo a homofobia! Cadeia para os homofóbicos .

Bayeux é uma cidade satélite da capital da Paraíba ,João Pessoa e, hoje em dia é considerada um bairro da capital ,pois, se atravessar a ponte do rio Sanhauá que liga as duas cidades estará no centro da capital . O início da cidade fica a uns 4 a 5 quilômetros do centro da capital. Bayeux foi ocupada por retirantes que vinham do alto-sertão ou do cariri onde passa -se anos sem cair uma gota de chuva . Esse povo vinha correndo da seca e ,por conseguinte, da morte . Deixavam para trás casas no meio do nada ,terras esturricadas pelos Sóis intermináveis e parentes que às vezes ficavam pelo caminho perecendo na cruel caminhada em direção à zona da mata ao litoral , à costa. Chegavam a este local e vendo que havia como trabalhar para obter comida logo armavam sua "tenda" e começavam a procurar trabalho nas várias fábricas que aos poucos vinham se instalar no local para explorar a mão-de-obra barata e carente . Quer dizer , a fome se encontrara com a exploração literalmente . Dezenas de fábricas de todas as espécies, logo depois da segunda grande guerra , formaram suas bases neste local em vista de que era perto da capital e do Porto da cidade de Cabedelo . Cabedelo é uma cidade que também faz parte da grande João Pessoa e tem um porto de grande porte, de grande calado que fica estrategicamente mais perto dos EUA e da Europa ,pois, João pessoa e sua vizinhança, é claro, é a cidade mais oriental da América do Sul . A maioria das fábricas eram da manufatura do agave que é uma planta originária do México a qual se adequou ao clima e ao terreno ,além de servir, com suas fortes fibras, para se fazer tapeçarias , cordas, pisos e até cabos para navios , faz-se ,também, a famosa tequila : bebida alcóolica mexicana muito forte . Porém, em Bayeux ,não tinha só deste tipo de empresa . Vieram outras empresas para aquecer o comércio local : as empresas que trabalhavam com algodão que fabricavam o óleo do caroço do algodão e já preparavam o algodão para a confecção de tecidos diversos ; as fábricas que faziam artefatos de plásticos e de nylon ; as olarias que aproveitavam a boa qualidade do barro local ; a fábrica de cimento ; o artesanato com peças retiradas dos manguezais e do barro que abundavam ao redor desta pequena faixa de terra que não chegava a dez quilômetros de extensão e de circunferência ;a pesca nos rios que circundavam a cidade , mas ,mesmo com sua pequenez em extensão territorial ,foi se desligando da sua cidade sede que era Santa Rita . Bayeux era distrito da cidade de Santa Rita e este nome estranho , foi em comemoração à primeira cidade libertada pelas tropas da FEB ( força expedicionária brasileira) no território francês na segunda guerra mundial ... Pois é, Bayeux foi o nome da primeira cidade francesa libertada das garras do nazismo do alemão Hitller . Foi um grande feito da FEB e , as tropas eram formadas só por nordestinos: paraibanos, cearenses e pernambucanos ... Mais paraibanos do Batalhão de Infantaria Motorizada Vidal de Negreiros no qual , na década de 80 eu servi e por isso sei dessa façanha paraibana ! ... Pois é, que ao contrário dessas honrarias de glórias patrícias , a cidade ficou conhecida nacionalmente como a " CIDADE DOS CORNOS" que é uma contradição horrorosa em vista ao feito titânico paraibano no Velho continente.

Em meio a essa leva de gente que foi formando a tal cidade ,além da minha família instalou -se uma senhora por nome de Dona Zefinha ou Dona Josefa que fez uma casa de taipa na Travessa Carioca ,antes de chegar na rua 21 de abril . A travessa Carioca era perto do muro da Sanbra ( Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro) e tudo isso era perto da minha casa na travessa 21 de abril . Depois com os anos se passando , essas travessas tomaram o nome de uma pessoa muito importante nas minhas literaturas: o Seu Francisco Jorge ou Chico Jorge... Bom ,Dona Josefa tinha dois filhos e trabalhava muito para dar de comer a esses meninos . Era mãe e pai para os dois . Trabalhava nas fábricas de cabos para navios e quando não estava nas fábricas estava tentando ser costureira .

Minha mãe também enganava nas costuras e fazia roupas que uma manga de camisa ficava apertada e a outra era folgada, mas, Dona Zefinha sempre vinha pedir explicações a respeito e trazia consigo seus filhos que foram ficando amigos e irmãos. A menina era mais arredia, porém, o menino era mais fácil de comunicação. O nome dele era José Fabrício e foi estudar comigo na escola Major Otilio Ciraulo ,uma escola municipal que fizeram às pressas nas redondezas para se ganhar votos . Ele era mais velho do que eu 2 anos e mesmo assim estava na mesma série que eu . O seu jeito muito afeminado fazia com que os outros meninos começassem a " bulir" com ele e eu começava a cacetar os safados... Houve época em que ele só ficava em paz ,na escola , quando ficava perto de mim ,mas , o tempo foi passando e a minha amizade com ele foi ficando para trás. Ficou mais amigo da minha irmã e eu fiquei com vergonha ,confesso, de me aproximar do Zé . Fui deixando ele pra lá e ficava triste com as conversas que apareciam sobre ele . Eu o tinha como a um irmão ,pois, ele não tinha medo de mim ... Engraçado: a gente brigava feito cachorro trocando tapas ,pedradas ,mas , ele não tinha medo de mim e dos outros moleques tinha medo mas, quando estava em apuros vinha pedir ajuda . Era um irmão diferente que o amava sem nada em troca ... Ficava com vergonha das fofocas que atravessavam a pequena cidade ,mas, queria que Deus o ajudasse e que o fizesse muito feliz ...

O tempo foi passando e a sua mãe foi desconfiando daquele jeito dele e até que um dia ela o pegou com outro menino e aí foi o basta para que ela lhe dissesse quem era e aonde estava o seu pai biológico. Era um vagabundo que engravidou uma mulher e a deixou para lá e que estava morando no bairro de Itaquera na cidade de São Paulo. A mãe se desesperou com a cena e em menos de 15 dias conversou com o pai e ficou tudo acertado para que o Zé viajasse para a grande metrópole sem direito a clemência... Lembro-me muito bem que o rapaz de mais ou menos 16 anos chorou feito bezerro desmamado na minha casa a noite toda anterior à sua partida e minha mãe e minha irmã lhe davam coragem e lhe desejavam muita sorte . Como lhes disse : foi um chororô daqueles !

O José Fabrício chegou a capital financeira do país e foi direto para a casa do pai em Itaquera no lado leste da cidade e ,seu genitor ,percebendo seus trejeitos femininos foi logo lhe dizendo que não e, como ele mesmo me contou, foi lhe dando uns trocados para sair das suas vistas e se virar... Vocês já imaginaram em que situação esse adolescente se meteu ? ... O Zé não teve outra alternativa e voltou para a rodoviária e ,lá chegando, foi assaltado por dois meliantes que levaram malas ,carteira e até ia sendo estuprado . Mas ,ficou num canto da estação rodoviária chorando sem ter o que comer ou onde dormir e uma pessoa ,um senhor de uns 40 e poucos anos, o viu e foi se chegando para perguntar o que estava acontecendo. Era um policial militar que vinha lhe socorrer e logo perguntou se ele iria querer um local pra ficar ( Esse policial, jamais o fafá falou seu nome ou mostrou sua foto ou endereço) ... o levou para a sua casa e foi daí que o Zé , antes de ser Fabrício, começou a ser chamado de Fafá, apelido carinhoso que este policial o denominou .

O rapaz tinha liberdade de estudar ou de trabalhar. Não estava preso mesmo estando com um policial e, aí começou a fazer um novo curso que aparecia no mercado que era o curso de podologia que cuida dos pés e que as madames diabéticas teriam que utilizar por conta das rachaduras e quem pagou esse curso foi o sargento ... outros cursos que o garoto fez foi de cabelereiro e maquiagem . Aí o moleque arrumou um serviço na Rede Record e foi ficando conhecido nesse meio artístico até construir com seus próprios créditos um império com mais de 30 salões de belezas com serviços variados que tinham cortes e químicas de cabelo a salões de massagem os quais lhe davam chance de recompensar o policial que o acolheu , a mãe e o seu papai que lhe rejeitaram . Foi-se passando o tempo e o menino transformou-se num empresário famoso que construiu casa para a sua mamãe na beira-mar na cidade de João Pessoa ; um sobrado de dois andares para o seu papai e uma coisa que me incomodava era que ele não conseguia dirigir ,tinha medo e, por isto ou andava de táxi ou chamava o Jorge que ficava com o seu carro comendo as garotinhas pra lá e pra cá. Jorge era seu amante e motorista e vi brigas de voar penas entre os dois que eu contive .

Anos antes de eu pedir ajuda ao meu amigo/irmão que ele teve a triste noticia de ser portador de HIV e começou a se tratar com o coquetel e foi nesse período que eu fui uma lixeira das coisas que ele esteve passando por essas coisas que estou a lhes contar e outras coisas mais que não posso contar ,não me contive : comecei a chorar pela sua má sorte . Foi o destino que o levou a ser tão forte e a vencer as barreiras sociais .

Tive muitos contratempos emocionais com mulheres e fui corno com todas . Segui a tradição local e saí desses relacionamentos tóxicos para tentar vida num outro local e foi daí que o meu amigo me deu guarida ,mas, eu ficava incomodado com aquele tipo de relacionamento que ele tinha e me mandei para fazer um concurso público em Rondônia . Fiquei pouco tempo com ele o qual me pedia para não deixá-lo . Sempre conversávamos via telefone e num relance de saudades ,liguei o dia todo até a noite e quando foi mais ou menos dez horas da noite minha irmã me ligou dizendo que o Fafá tinha falecido .

Meu amigo e irmão deixou uma grande soma em dinheiro e tudo para a sua mãe administrar e a coisa que mais admiro nele que para mim ainda não se foi , foi ele ter deixado sua mãe na incumbência de administrar uma creche de meninos e meninas que contraíram o HIV no bairro de Itaquera. Essa creche começou no dia em que o Fafá foi oferecer ajuda ao fresco do pai dele ,anos depois , o qual vivia num lamaçal, e daí ele foi levado à presença de quatro crianças cuja mãe teria sido vítima da mesma doença que o Fafá tinha contraído . Então, ele comprou a casa das crianças e começou a construir uma escola de respeito no local que abrigava velhos e crianças e, com a ajuda de pessoas da alta sociedade paulistana, artistas e clientes , construiu um sonho que até hoje permanece na realidade daquele bairro ...Ele era uma pessoa maravilhosa, única, singular . . . Não sei como adjetivar o meu irmão que se foi tão cedo com 42 anos ,uma alma de luz que se condoía com o sofrimento alheio , enquanto há tantos vermes que vivem noventa cem anos dando trabalho ao povo e à sociedade .

PORTO VELHO 12/02/2005

Professor J Silva
Enviado por Professor J Silva em 13/08/2023
Reeditado em 13/08/2023
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