E não é que hoje é dia do escritor?

Eu nem sei por onde começar. Talvez porque não deva saber. Talvez porque escrever signifique, intimamente, um não saber que se faz independentemente disso. Escrevo porque estou doente. Porque preciso. Não escrevo pra ser boa, pra ser lida, pra ser entendida, pra ser admirada. Escrevo porque as palavras me curam ou me matam. Mas a morte, essa morte de palavras, é passageira. Tem dias em que vivo e tem dias em que morro. Acho que nunca experimentei os dois de uma só vez. Talvez agora. Talvez a explicação para minha doença seja essa. Não gosto da ideia de ser zumbi, não gosto desse tipo de ficção e, convenhamos, zumbis são feios e não críveis. O único que eu gostava era de Michael Jackson em “Thriller”. Porque ele é ele. E eu adorava. Talvez “zumbi” seja cruel demais e pouco explicativo. Acho que vivo e que vive em mim uma predisposição literária ( ou artística ) para a morte de instantes. Sou muitas. Fiz muitas. Não me conheço por inteira porque não me apresentei a mim por inteira. Mas me conheço muito. E ninguém me conhece em todas as versões, só me veem. Ver é fácil, ver - em alguns casos - é a melhor sensação depois de tocar. Às vezes me pergunto se um dia sentirei que posso olhar e me deixar ser olhada em um estado qualquer. Sem filtros. Não os filtros do Instagram, que também são feios e pouco críveis. Os filtros que a gente usa por cima das máscaras que já estão por cima da maquiagem. Parece que a gente tem vergonha da gente. De mostrar tudo como é. E como está. Humor, personalidades, jeito, medos. Não falo de pele, de corpo, de forma. Mas pode ser também. Já que tudo isso resulta em um só ser. Não consigo imaginar ter uma intimidade que mostra os demônios ao mesmo tempo que mostra o corpo. Quem merece os dois? Não sei. Sei que é preciso ter coragem pra carregar o peso das complicações, embora haja o deleite de desfrutar de alguém. Dependendo do alguém. Mas estou falando de mim, então posso dizer que a parte das complicações é a única parte garantida. Não posso esconder que sou humana demais.

Uma vez meu pai me disse que o casamento é uma instituição falida. Eu era muito nova. Mais do que sou agora. Concordei porque acredito ser um fato, mas não necessariamente uma regra. Mas ele não entende que quem faliu o casamento foi ele. Não o mundo. Esse afã todo em torno da monogamia pode ser facilmente resumido: nada dura. A gente não dura enquanto a gente. Às vezes sou eu, outras vezes sou eu só que diferente. O amor (a desilusão) pode durar. A mágoa pode durar. A paixão não dura, mas enquanto dura é eterna. Mas é difícil acreditar que uma pessoa vai ser pra outra pessoa tudo que prometeu ser durante toda a vida de ambos. É pouco humano. Por isso é lindo, é quase utópico. Mas exceções estão por aí rondando nossos pensamentos. E é claro que eu acho que tudo é válido enquanto acontece, que quando se sente é preciso deixar, que o que se pensa é o que importa no momento, que quando chega a vontade de dizer que ama é estupidez querer ser racional, que quando a vontade de estar junto é genuína é preciso dizer que sim. Eu mesma já disse isso. Não o “sim”. Mas que coragem grande é poder ( e querer) dizer “sim”. E quem pensou isso foi Caetano, eu só concordo tão profundamente que às vezes penso que são palavras minhas. Por mais que eu concorde, sei que não tenho o que a vida quer da gente: a coragem. Quer dizer, o tempo todo. Eu sou a pessoa mais medrosa que conheço, mas eu escrevo. Corro o terrível risco de ser lida. Embora eu saiba exatamente o que quero mostrar. E como. E pra quem.

24/07/23