Numa folha qualquer

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Ter me tornado professor em tempo integral me jogou a uma realidade até então desconhecida. Sou ruim com datas. Quando aconteceu? Não sei. Só sei que aconteceu.

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23/01 - Levei uma dessas portadas da vida. A entrevista de emprego havia sido positiva. O feedback pós-papo foi dos mais positivos possíveis. “Aguarde 2 semanas e o retorno virá”. Aguardei 3. Não veio até hoje. Fiz planos demais com essa possibilidade. O culpado fui eu. Na terapia, as palavras do sarcástico lacaniano que me analisa há quatro anos: “Felicidade e sucesso você só encontra naquele lugar? E em outros? Não há?”.

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27/01 - Em um dia de pouca expectativa, a sorte me pegou desprevenido enquanto eu estava trabalhando muito: fui selecionado para atuar numa grande escola. Maior do que a que não entrei. A vida surpreende e muito.

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28/01 e 29/01 - Foram dias - e meia noite - com meu trio em Saquarema. Meu terror provinciano foi substituído pelo prazer das risadas, fofocas e desabafos de quem está comigo, lado a lado nas trincheiras da vida. Há amigos, há irmãos, e há a Darli e a Ana, que se misturam e se confundem nesses papéis. Voltaria para esse dia? Jamais, porque eu estava financeiramente no bico do urubu, mas certamente faço questão de repetir a dose quantas vezes forem necessárias. Quem tem amigo, tem tudo. Obrigado, meninas. Nós por nós, até o fim.

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31/01 e 01/02 - Reunião geral de todas as unidades do novo trabalho, no cinema de um shopping e aniversário da minha mãe. Duas grandes ocasiões que me relembraram que eu não tinha um só puto no bolso; salvo dinheiro de passagem e amor de amigos e familiares. Muito bom ser professor, mas, ocasionalmente, o bolso sente saudade de sentir um peso dentro da carteira.

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08/02 - Comecei oficialmente na escola. Conheci alguns colegas, conheci os alunos e pude conhecer melhor a estrutura. Estou lá toda quarta de manhã, logo, às noites de terça se tornaram o meu dia favorito, o sono não vem e a expectativa do dia seguinte sempre bate. Como diz um amigo, isso é tesão pedagógico.

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12/02 - Coloquei meus pés na Sapucaí pela primeira vez para assistir aos desfiles técnicos da Beija-Flor e da Grande Rio. Antes disso, passei o dia no Centro, fui ao CCBB, andei pela Orla Conde, vi as crianças dançarem e fui feliz. A vida não estava fácil, muito pelo contrário, mas ela ainda sabia se mostrar bonita para mim.

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18/02 - Meus amigos, desfilei na Sapucaí. Nada mais importa. Escrevi uma crônica somente sobre este fato. Abram-alas ao cordão dos excluídos que vão à luta e matam seus dragões.

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03/04 - Reencontrei meu melhor amigo, após longuíssimos 5 anos. Não tenho irmãos de sangue, mas tenho muitos amigos que são irmãos, e muitos irmãos que são amigos, e há o Felipe, que é meu amigo, meu irmão e um sol que ilumina o meu universo em expansão. Se você quiser saber quem eu sou e como eu sou, comece conhecendo meu melhor amigo. Será um parâmetro perfeito. Te amo, brother Charles.

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11/04 - Eternizado na minha memória como o dia em que tive uma D.R, com o melhor amigo anterior, na mureta da Urca. Terminou tudo bem, mas fiquei potencialmente tão culpado, que fiz um longo texto no instagram SÓ sobre ele. Não disse na época, mas foi a minha maneira de aumentar as minhas desculpas. Há um hall enorme de coisas que eu queria falar, mas só consegui escrevendo. Essa foi uma delas.

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17/07 - Me despedi do Brother Charles. Não chorei. Na volta pra casa, percebi que a estação São Cristóvão, ponto de partida para a casa dele, jamais seria a mesma. Meu Deus, que bom! É realmente bom encontrar memórias afetuosas onde menos se espera. Ainda não ocorreu, mas algum dia, vou estar triste, dentro do metrô, e quando ele passar por São Cristóvão, vou esboçar um sorrisinho lembrando do dia em que o encontrei na saída da estação. Aliás, que saudade, cara. Somos uma dupla muito legal. Sempre nós!

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09/05 - Rita Lee morreu. Meu Deus do céu! Certa vez, alguém disse que, com as mortes da Rainha Elizabeth e do Pelé, o século XX mais e mais se distanciava de nós; nesse hall de pessoas, insiro Rita. Sua partida nos distancia ainda mais do século anterior e do país - menos careta e conservador - que deveríamos ser. Impulsionado pela sua partida, homenagens e obras, mergulhei de cabeça em sua primeira autobiografia e discografia. Li e ouvi indo trabalhar, voltando do trabalho e nas pausas do dia. Terminei o livro em pouco mais de 1 semana, e seu trabalho musical segue sendo desbravado por mim. Talvez pela influência desse tal de rock and roll, acordei um dia disposto a mudar e fazer tudo o que eu queria fazer. Falarei com meu analista sobre isso. Talvez a porta que se fechou para o século XX seja a oportunidade de olhar para a janela dentro de mim.

Valeu, Rita. Nunca foi bom exemplo, mas era gente boa PACAS.

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Dia desses em que ainda me questionava se a sala de aula estava sendo um bom caminho, acabei substituindo uma colega na escola. No vai e vem das turmas, correndo de um andar para o outro, optei por ir de escada, no caminho, encontrei um aluno do 2º ano do Ensino Médio, seguiu-se o diálogo.

Posso te dar um abraço, professor?

Pode. - o abracei meio sem jeito, mas abracei.

Mas por que o abraço? - perguntei pós-abraço.

Nada não… só obrigado por ser meu professor. - ele sorriu e seguiu seu caminho.

Ainda não sei se estou fazendo um bom caminho, mas sei que é um caminho que me faz feliz. Tudo é um sinal quando se espera por um. Aquele era o meu.

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12/06 - Eu disse que precisava falar com meu analista sobre essa coisa de mudar e fazer tudo o que eu queria fazer, mas acabei fazendo antes de falar com ele. Ser professor, significa, em muitos momentos, ter que lidar com a desvalorização e invalidação de sua profissão. E numa dessas, em uma das instituições que trabalho, esbarrei em uma desvalorização que era demais para mim. Eram os meus valores que estavam em jogo. Nenhum trabalho vale determinadas situações; nenhum salário vale determinada paz. Algum desconforto teve de ser assumido. Me demiti. Depois, me questionei se fiz o certo. Dentro do Assaí, enquanto fazia compras, ouvi Break my soul, da Beyoncé: now, i just fell in love, and i just quit my job. i’m gonna find a new drive, damn, they work me so damn hard.

Cheguei na fila empoderado, ciente que fiz o correto. Segue o jogo.

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Dia desses, voltando para casa, do trabalho, observei uma cena pitoresca: uma avó, brincando na rua, também voltando do trabalho, com sua netinha e sua filha. Observei, andando quase lado a lado, a cena, e não deixei de sorrir ao ouvir a risada das duas.

Anos antes, aquela mesma avó perdeu uma de suas filhas, e me recordo de, um dia, esbarrar com uma postagem dela, nas redes sociais, falando que já não encontrava mais razões para viver e que já havia pensado em dar cabo da sua vida.

Que bom foi vê-la sorrir novamente, com tanta leveza. Não. Não estou dizendo que sua dor sumiu. Estou dizendo que, apesar de tudo, a vida sempre encontra uma maneira de nos surpreender na esquina com um motivo para sorrir. Vale a pena estar vivo. Vale a pena. Foi bom ver aqueles sorrisos. Acelerei meu passo e as deixei para trás, naquele dia, eu ainda precisava chegar em casa e adiantar alguns conteúdos.

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Ando ouvindo Feliz, Alegre e Forte com frequência: “Sou feliz, alegre e forte, tenho amor e sorte aonde quer que eu vá. Sou feliz, alegre e forte, tenho muito amor e muita sorte aonde quer que eu vá”. Pertinente para o meu momento. Pertinente para encerrar aqui.

Pedro H Ribeiro
Enviado por Pedro H Ribeiro em 23/06/2023
Código do texto: T7820162
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