Seu João

Seu João é o típico homem nordestino, como se fosse um personagem que li nos livros em minha adolescência. Forte, determinado, sabendo muito bem de suas raízes. Como em alguns livros, também foi retirante. Ele e Dona Maria, ainda novos, com dois filhos e um a espera, subiram num pau de arara e sem saber direito quando iam chegar ou até mesmo onde iam parar chegaram ao norte do Paraná, próximo a década de 60.

Eu não sei dizer ao certo quando chegaram e como tudo sucedeu, queria eu ter a memória do Seu João. Mas, me pego pensando no calvário que passaram, afinal você está saindo do seu lugar, com poucas opções, pois é ficar e perecer com a fome, com a falta de oportunidade ou arriscar tudo. Você sai do seu chão, do seu povo, do calor árduo que queima o xiquexique e o mandacaru na caatinga, pra chegar numa cidade desconhecida, sem ninguém, no frio gélido de um Estado desconhecido.

Eu não sei o que Seu João e Dona Maria sentiram. Mas, se podemos personificar a coragem podemos usar esses dois. Coragem e fé nunca faltaram. E foi assim que eles recomeçaram, com muitas lutas, com perdas, com sofrimentos, mas com alegrias também. Seu João trabalhou feito um touro, e mesmo diante toda dificuldade tentava dar e fazer o melhor pela família, seu bem mais precioso.

Era também um ótimo contador de história. Com uma memória de dar inveja, lembrando de lugares, estradas, árvores, cheiros, detalhes que provavelmente eu e você teríamos esquecido, ele contava os mais variados causos. E como tinha histórias! Seu João colecionou uma bela coletânea de momentos.

Fazia “rolo” como ninguém! Era fácil no meio da história ter algum rebuliço e no final algo surpreendente. Não teve a oportunidade de estudo, mas era inteligente que só, esperto e grande tocador, tanto que não era difícil no meio do rolo ter um rádio ou algum instrumento. E foi assim que seus filhos viraram bons instrumentistas, as filhas cantam e dançam. Uma família de artistas, senhores!

Só não posso dizer que ele foi um grande pescador. Afinal, não é todo pescador bom de mentira?

Acima de tudo Seu João foi um homem honesto, coisa rara nos dias de hoje. Justo e altruísta! Teve sim oportunidades de ter condições financeiras melhores, mas diante da necessidade de algum parente ou amigo, ele se doava e o que fosse necessário ele fazia para ajudar. Eu não sei estimar quantas pessoas ele ajudou, mas sei que é mais do que posso imaginar.

Agora, se eu tenho uma certeza é que anteciparam a festa de São João no céu, acenderam a mais alta e linda fogueira, penduraram as bandeirinhas mais lindas e brilhantes, tem tudo que é tipo de comida e até mesmo chá de amendoim. Fiquei sabendo até que Seu João está tocando Gonzaga, e tá um belo raspaté.

Eu, que ainda tô aqui e nem tenho tanta história para contar, fico com lembranças. Queria dizer que são grandes fatos. Mas, tudo que me vem a mente é que Seu João fazia o melhor quebra-queixo do mundo, contava as histórias de sua vida, de seus familiares, amava reunir a família e fazer uma bela festa de São João.

Na ultima vez que estivemos juntos me explicou sobre abelhas e mel. Queria dizer que herdei seus talentos, mas não sou artista, nem tão esperta, minha memória nem de longe chega aos pés da dele.

Talvez um dia eu fique boa em contar causos. Mas, por ora, falo desse grande homem nordestino, que realizou diversos feitos e que tem deixado grande saudade.

Obs.: Seu João desencarnou em 27/05/2023.

Vô, esse texto é pro senhor!

Danieli Martins
Enviado por Danieli Martins em 22/06/2023
Reeditado em 22/06/2023
Código do texto: T7819896
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