O Departamento de Felicidades, Emoções e Afins

 

Era a véspera do Réveillon de 1979. Deus, Impaciente, testava, sem muito interesse, um protótipo do GENIUS, que viria a ser lançado no ano seguinte. Usando sua magnifica jaqueta preta e carmim levantou-se, deixou a escrivaninha e saiu de sua sala passando pelo corredor das nuvens feito um furacão espalhando nuvem pra tudo que é canto, meteu o pé na porta, olhou para um lado, depois olhou para o outro e viu tantos anjos sentados, alguns deitados, sonolentos e desanimados de pernas pro alto e então, disse... Disse não, porque quando Deus tá com raiva ele não diz, ele simplesmente estronda. E como um trovão, ele estrondou...

— Que pouca vergonha!!! Vocês não têm mais o que fazer? Quem é o chefe do Departamento dessa droga de Felicidade e Emoção? Cadê o Pedro? Alguém me chama o Pedro aqui agora!!! Alguém tem que explicar isso!!!

Deus estava furioso e os anjos, assustados, vendo a irritação do Pai Celestial começaram a se movimentar de um lado para o outro como se nem fossem anjos, mas sim um monte de baratas voadoras e tontas saídas dos bueiros quando expostas a um desses baraticidas. E foi um tal de bate asas e cabeças pra lá e pra cá. E Deus continuou — Você aí, seu molenga, com essa cara de sono eterno!!! Qual é o seu nome? E o anjo, gaguejante respondeu à voz amedrontada...

— Senhor, me-me-me-me chamo Uriel e so-so-so- sou o che-che-che- chefe aqui do Departamento de Felicidades, Emoções e Afins.

E Deus fez aquela cara de incrédulo que sempre faz... Naquele exato momento, se alguém fosse capaz de ler o pensamento de Deus leria ““Jesus, me ajuda!!!””

— Pare de gaguejar agora e me explique toda essa pasmaceira no seu departamento, seu inútil! Quero uma explicação convincente.

E então, como num passe de mágica, a gagueira do anjo Uriel passou e ele começou a falar como um grande orador:

— Senhor, a culpa é dos anos 70! Foi uma década ótima, artisticamente falando, é claro! E até também em outras áreas, mas houve muitas influências externas que dificultaram nosso trabalho. Foi muito cansativo, o Senhor compreende? Então resolvi dar uma folguinha não remunerada pra galera.

Deus ficou ali parado, pensativo com a mão no queixo e olhando para a auréola meio apagadona do anjo Uriel, e então, num repente das grandes mentes, Deus disse...

— Faz o seguinte: reúne a galera e dá um Incentivo Celestial.

— Mas, Senhor, o que viria a ser um Incentivo Celestial?

— Sei lá, Uriel! Tô inventando agora. Usa a criatividade aí, poxa! Tenho que fazer tudo sozinho?!?! Acende essa auréola! Dá uma participação nos lucros e resultados e diz que fui eu que mandei. Espera acabar as festividades de fim de ano lá em baixo e já invade os 80s no dia primeiro com toda a galera angelical da pesada, principalmente das Artes em geral. Quero todo o pessoal envolvido, até quem tá de férias. Quero treinamento constante e escala de plantão permanente. Galera do Teatro, da Dança, do Cinema, da Fotografia, pessoal da Escultura e da Pintura também.

      A essa altura Deus já sorria encantado olhando pro nada como alguém que olha a imensidão sem ver as estrelas e vislumbrando os acontecimentos excitantes da próxima década. Uriel, feito um louco, anotava tudo desesperado. E Deus continuou... — Contrata mais um pessoal novo aí com ideias revolucionárias bem maneiras e examina tudo que estiver na pendência. Capricha nas Histórias em Quadrinhos, Artes Digitais, Jogos Eletrônicos (Games), que eu também gosto de um Gamezinho vez em quando pra aliviar a pressão, sacou? O Pedro vive perdendo pra mim no GALAXIAN da Namco/Midway, gabou-se Deus sorrindo.

 — Claro Senhor, mas também quem iria se atrever a ganhar de Vossa Onipotência? Não é verdade?

E de repente Deus ficou sério: — Cala a boca e continua anotando aí.

Sim, Senhor! Estou anotando tudo, e nem é por nada não, mas posso fazer uma última pergunta?

— Claro, Uriel! Eu sou Deus, mas não sou egoísta. Diga lá! Alguma ideia nova?

— Tenho sim Senhor, até várias, mas Vossa Onisciência não teria esquecido a Música?

E com um sorriso no semblante Deus colocou a mão no ombro de Uriel e exclamou:

— Ah, garoto!!! Sabia que tu não ias esquecer dela!!! A grande Música, arte que criei há muito tempo, praticamente nos primórdios pra mexer com nossas almas e de um jeito que só eu sei!!! Pra essa aí eu quero um time de anjos muito safos pra cuidar, chama os VIA - Very Important Agel, entendeu? Só anjo fera da Música. Não pode ser qualquer anjo metido a besta. Anota aí. Tem que ser anjo PhD em Emoção, compreende???

     Uriel ia anotando tudo freneticamente, empolgadíssimo, quando Deus se virou e com toda sua onipresença começou a caminhar bem lentamente em direção a porta de saída, a porta se abriu e o todo poderoso se retirou do recinto e mal a porta se fechou foi aquele alívio geral como se todos os anjos exclamassem (ufa!). Então, o anjo Uriel, chefe do departamento, arregalou os olhos e em sua mente gritou tão alto que deu pra ouvir da Terra: — Jesus!!! A Literatura!!! Esqueci a Literatura!!!  E a porta da Felicidade novamente se abriu só pela metade quando Deus pôs a cabeça pra dentro e num sorriso iluminado deu uma piscadela de olho e exclamou oniscientemente ou onisuavemente...

— Calma, Uriel! Tá nervosinho? Essa Arte aí é assunto pessoal e intransferível, meu querido!!! Deixa com o Papai!!!

 

 

MARCANTE, Alexandre.

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Alexandre Marcante
Enviado por Alexandre Marcante em 17/06/2023
Reeditado em 18/06/2023
Código do texto: T7816147
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