Olha pro céu, meu amor!

Hoje eu vou parafrasear todo mundo que eu lembrar. Inclusive a mim mesma. Tema: amor. Quais as minhas qualificações? (Não há). Mestre em desilusão com ênfase em amores líquidos e doutoranda em estudos da síndrome do celibato na sociedade pós-moderna à luz da psicanálise. Sim, eu nunca namorei. Mas observo tudo. Só quis namorar uma vez, aos 13 anos. Meus pais impediram esse absurdo, afinal, eu só poderia namorar com 15 anos. Tomada pela estupidez pré-adolescente, que alguns chamam de burrice ou estado de burrice aguda ( quando você é jovem, você é automaticamente um jumento, então é claro que tudo faz sentido quando você estabelece um), desobedeci o senhor Dudu Montecchio e a senhora Jaque Capuleto ( sim, os meus próprios pais eram os “inimigos” entre si com um ponto em comum: eu) a fim de me deixar levar pelo jovem cujo nome não citarei, mas que era consideravelmente mais velho do que eu, e deixar acontecer aquele que foi um grande marco na triste vida de qualquer mocinha criada presa em sua casa: o primeiro beijo.

Gosto muito de pensar que hoje eu poderia estar fazendo um ano de relacionamento se tivesse aceitado um pedido de namoro extremamente aleatório de um cara que eu dei, no máximo, uns três beijos. Pior: ele me presenteou. Meu Deus. Ele conseguiu ser pior do que eu na pré-adolescência. E olha que eu deixei claríssimo que não queria nem “ficar sem compromisso“, que dirá namorar. Ele sofreu bastante. Hoje me viu na faculdade, eu sei que nada ali está superado dentro nele. Até pelas indiretas, melhor, diretas que ele dá. Espero que siga em paz , porque não foi recíproco. Gosto muito dele, mas do jeito que muitos temem: pra ser meu amigo. Antes e depois dele também tem história, mas eu tô cansada. Quero dizer que eu, sobretudo eu, tenho licença poética pra escrever parecendo que eu realmente sou, quero, sinto ou que vivi aquilo. Às vezes são só palavras. Às vezes, sempre, são verdadeiras. Mas estão no campo da poesia, da literatura. Aqui tudo é permitido até sair do papel. Ou da tela. Na vida real, eu realmente não me importo com muitas coisas. Não namorei até hoje porque não senti que queria construir-nos uma dulcíssima prisão, não senti que queria questionar o mundo em defesa de um sentimento sofrido como é o amor, não senti que queria me entregar sem saber se alguém de fato merecia ( e suportaria ) esse trambolhão de emoções vulgo eu. E também pelo pequeno detalhe do medo, pela besteirinha chamada trauma que talvez eu carregue no bolso, assim como minha chave e hidrante labial Nivea. Não vou dizer que nunca encontrei pessoas legais, já encontrei, mas legal todo mundo é quando quer devorar o seu corpo, beber do seu sangue e depois ir “comprar cigarros” e retornar sorrateiramente numa postagem no Instagram com uma namorada até então inexistente, se brincar até anunciando uma gravidez ou um casamento, ou simplesmente apenas distribuindo likes, curtidas e mensagens para absolutamente toda mulher viva - conhecida ou não. Isso é o que eu observo, pois nessa história de lobo mau e chapeuzinho eu sou a cesta de doces: objeto desejado que segue intacto, quiçá até esquecido na história. (Um adendo: aquele diabinho que fica no ombro direito me disse que eu sou igual aquela música do caviar. Que feio. Nem vou reproduzir. Mas parabéns pela criatividade, no caso, eu estou me agradecendo. De nada).

Qualquer exagero não é mera coincidência. E eu não estou literalmente intacta, vide o meu coração estilhaçado e a minha pobre cara mal remendada.

Esqueci de dizer. Estou doente. E olha que minha imunidade é boa. Acho que eu devo ser uma espécie de monja ou embaixadora da saúde perto de certos colegas que tenho. Todo mundo se vicia em algo, eu acho. Já me disseram isso quando eu estava no nono ano. Soou como uma ameaça. “Você vai se viciar em algo, não tem outra maneira de sobreviver”. Sexo, comida, açúcar, álcool, amor e outras drogas. Eu não tenho vontade de fumar, eu escrevo. Não tenho vontade de me matar de outros jeitos, eu escrevo. É isso. Posso dizer, com segurança, que eu escrevo. E isso não significa nada além do que já se disse: eu escrevo. Mas é claro que não é uma fonte de prazer, isso eu realmente não posso substituir. Aliás, eu acho que tenho uma grande facilidade pra transformar muitas dores em prazer. Digo “amém” pra isso.

Estava caindo de sono, confesso que amanheci com esse texto parado exatamente nessa frase. Acordei, liguei a televisão. Não nessa ordem, eu tenho uma rotina a ser seguida. Mas eu posso me dar o direito de não segui-la: estou doente. Não tenho aula. Amém pra isso também. Exceto pelos vários trabalhos que dependem de mim. Para minha surpresa, estava passando o “Encontro com a racista”, quer dizer, com Patrícia (que não é poeta). Para meu desgosto, um cara que com certeza foi uma escolha de última hora estava assassinando - ao vivo - o grande meu, nosso, Seu Jorge. Não tem cover desse cara que seja aceitável. Mesma coisa pra Djavan. E tem gente que faz carreiras com isso: o carinha que canta “cheias de charme/um desejo enorme” e o carinha que canta “pode me abraçar sem medo/ pode encostar sua mão na minha” não são djafãs que decidiram trabalhar com isso? Eu acho ruim em um nível absurdo. Que Deus tenha pena dessa alma e me perdoe, porque ontem eu esqueci completamente meu filtro em casa e meus olhos - meu Deus - meus olhos julgaram tanto e tudo e todos. Cada criatura, por mais esquisita e visivelmente inamorável que seja, namora. Ontem, na parada de ônibus, vi muitas sacolas da Cacau Show correndo apressadas, umas duas flores em mãos alheias. Conheço mulheres que não confiam em homens que dão flores, conheço mulheres que não confiam em homens que dão presentes caros, conheço mulheres que não confiam em homens que usam pulseira, ou seja, mulheres que não confiam em homens. A maioria. O homem que segurou minha bolsa ontem, no ônibus, usava pulseira e estava lendo um livro que eu tenho certeza que era horrível. Eu reclinei tanto meu rosto pra ler o título que ele percebeu e ajeitou o livro, propositalmente, para que eu pudesse ler. Volta e meia ele olhava pra mim, meio tímido ou assustado. Não entendi. Olhei a aliança. Entendi. Eu estava olhando pra pulseira dele e lembrando que minha mãe odeia homens com pulseira. Eu estava com sono, com febre. Não estava olhando pra ele. Virei pro lado, tinha um bíceps na minha cara. Todo tatuado com textos. Novamente, reclinei meu rosto para ler. O cara estava mais sério do que eu, fiquei com medo. E não consegui ler nada que estava escrito. Olhei pra frente, ele me olhava pelo reflexo da janela. Sério. Parecia ter ódio. Eu nem fiz nada. Mas eu também estava com um semblante bem fechado, entregando meu sono, pois o outro motivo para reclinar meu rosto foi para fechar os olhos. Claro que não poderia dormir, eu não posso dormir em pé dentro de um ônibus. Olhei pro outro lado, meio afastado, um cara me devorando com um olhar horrível. Do meu lado, sentado em um daqueles bancos altos, um velho safado e não tem termo que defina isso melhor. Desculpe, não era pra ser etarista.

Agora, ainda nessa delícia em ruínas chamada TV aberta, o cantor Supla com sua namorada linda. Punks in love. Não conheço nada desse homem que é uma mistura de Ana Maria Braga e Pedro Bial, na aparência, mas ouvi agora uma música ( acho que nova ) sobre a “violência urbana de São Paulo”. Eu não vou nem opinar, mas eu ri um pouco. Será errado? Me perdoem, meus caros, me perdoem. Prefiro quando Criolo diz que não existe amor em SP.

Qual a probalidade de aparecer as palavras “frei”, “Supla” e “Louro” na mesma frase? É o que o programa de Ana Maria Braga nos proporciona. Uma conversa sobre Santo Antônio, bolos premiados com a medalhinha para alcançar a graça do “grande amor” e…

Meu Deus. Uma fiel acabou de dizer “frei, eu posso segurar bem forte a sua corda para alcançar um amor? É uma simpatia”. Deram até intervalo agora, depois dessa pérola. Como que você olha pra cara de um homem de Deus, no fundo dos olhos dele, em TV aberta, ao vivaço e tem a coragem de perguntar se você pode segurar a “corda” dele?! A repórter riu. O frei corou. Ana Maria ficou constrangida e deu intervalo. Supla manteve a mesma inexpressão de sempre. Eu amo que isso só aconteceria no Brasil. O país do meme.

Como disse antes, não sei nada sobre Supla. Mas me parece um homem triste, depressivo. Ou um homem constantemente medicado. Ele é meio fofo, arrisco dizer, no fundo. Meu Deus, eu vou precisar interromper novamente a minha escrita.

Um baterista de arquétipo extremamente roqueiro-punk acaba de entrar no estúdio, Louro José manda um “e aí, baterista”, o baterista Eduardo responde “ oi, Louro”. Apático, sem esboçar emoção humana alguma. E rasga um solo de guitarra ( sim, não tinha bateria). Por que eu tô rindo dessas coisas? Eu sei que meu humor é quebrado, mas sério. É engraçado porque é muito ruim. Me parece algo que Daniel Furlan tiraria sarro. Então já me atrai. Me fez querer rir. Ana Maria Braga está fingindo, como sempre, que tá gostando. A bichinha. Ele não é rica o suficiente? “Tortura ao vivo: senhora obrigada a ouvir Supla e o baterista punk Eduardo cantando balada romântica. Entenda o caso!” Engraçado que esse baterista Edu, vou chamar de Edu. Ou Du? Ou Dudu? Enfim. Eduzão. Duda é o pior. Duda é inadmissível. Esse carinha é bem parecido com Supla, ele também não quer falar em português. Vamos chamá-lo de Edward da saga Crepúsculo. Faz jus. Não é um elogio.

Eles são frustrados, eu acho. Mas se não tivesse Supla, não teríamos os memes que estou vendo agora. Cansei de ser testemunha ocular de vergonha alheia. Pra fechar: acabei de concluir que Ana Maria tem uma quedinha pelo gêmeo dela. Ela, além de dizer várias vezes que ele é um homem especial de alma bonita, que o ama ( para isso, claro que ele respondeu “I love you too, Ana”), acabou de abraçá-lo ao som de alguma música cuja frase “linda garota” está presente e disse, em alto e bom som: Delícia!

Sobem os créditos.

Falhei, falhei miseravelmente. Ia falar sobre amor, sobre quadrilha. Sobre “João amava Teresa que amava Raimundo 
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili

que não amava ninguém”.

Agora, em uma reportagem do RN TV, uma querida senhora ouviu da repórter: “vai pedir casamento para Santo Antônio?”

Ela, cantando em ritmo junino, responde “Deus me livre! Deus me li-vre! Só namorico”. Eu amei. Ainda há esperanças, então. Não estou sozinha. Sou eu, uma senhora de 19 anos, e a mulher da reportagem juntas nessa. Ela estava vendendo mingau ( ou curau, dependendo de quem estiver me lendo), inclusive, que aqui chamam de “canjica”. Sendo que canjica, na Bahia, é o “mungunzá” daqui. Enfim. Me recuso. Só se for na música de Flávio José.

Vou dizer aqui para tu, ó Santo Antônio, que do céu está com certeza lendo essa crônica enquanto come um bolinho de milho, digo que não quero namorar. Não com alguém que não goste de milho, de São João, de crônicas e de rir dos outros. Brincadeira, eu realmente não espero nada. Mas, se for pra ter alguém um dia, que seja alguém que leia isso aqui achando bom. Achando as mil maravilhas. Brilhando os olhos. Me achando tão boa quanto uma fogueira do dia 29, em família, com milhos assados e pamonhas com café. Tão linda que dói só de pensar o que se perde de olhar nas frações de segundo em que pisca. Eu poderia usar minha lábia pra subir na vida, mas só uso pra quebrar minha cara e escrever. Um bom uso. Mais honesto. Mais sofrido. Mais parecido comigo.