O QUE VOCÊ TEM A PERDER, VELHO(A) CAMARADA?

Esta é uma boa pergunta. Afinal, o que nós, pessoas idosas por definição (mais de sessenta anos), temos a perder a esta altura de nossa vida, além de nos perdermos de nós mesmos? Posso responder a essa pergunta, não por todos, mas por mim, partindo de variados aspectos de minha vida, de ontem e de hoje.

 

Primeiro, comentamos sobre o tempo: sou um homem muito saudável, não tenho e nunca tive doenças complicadas, nem tomo medicamentos, só algumas vitaminas. Tenho uma mãe de noventa e seis anos que também não toma medicamentos. Está velha, em alguns dias levanta-se com dores nas pernas, mas creio ser apenas uma leve depressão, normal para a idade, ou uma artrose própria da velhice. Nesses dias ela gosta de ficar na cama um pouco mais. E só a esta altura de sua vida começa a perder a memória.

 

Significa que, do ponto de vista do tempo, eu ainda posso ter uns vinte e cinco a trinta anos de vida pela frente. Se eu continuar me cuidando e, seguindo as práticas saudáveis para o bom envelhecimento, eu posso chegar lá. Quero cuidar desse tempo que ainda tenho pela frente. Quero ganhar mais tempo. Não devo nada a ninguém, então uso meu tempo como quiser. E quero usar o tempo a meu favor.

 

Perder tempo, a esta altura da vida,

é fazer o que não queremos e não gostamos.

 

Em segundo lugar, eu gosto de escrever e desde adolescente eu sonhava em ser escritor. A vida me levou para outros caminhos, precisava trabalhar em algo que me garantisse a sobrevivência logo. Aos dezoito anos meu pai me deu um “se vira malandro”, ou seja, a partir dali eu estava por minha conta. Logo fui chamado para ser professor e segui essa carreira por mais de quarenta anos. Comecei a lecionar aos dezoito e parei aos sessenta e um. Foi um belo trabalho, eu sei, não o faço mais. Agora conto histórias de outras formas: principalmente escrevendo. Se terei público eu não sei, mas quero continuar contando histórias enquanto eu for vivo. Quero manter e aumentar estas oportunidades. Essa motivação eu a manterei a todo custo. Contar histórias através da escrita e de outras formas é meu projeto de vida.

 

E você, velho(a) camarada,

o que te motiva a viver uma vida longa e rica?

Qual o seu projeto de vida?

 

Terceiro, eu tenho muitos afetos. A dar e a receber. Tive dois casamentos que fracassaram por inabilidade minha, embora não exclusivamente. Já perdi o afeto de muitas pessoas em minha vida, por distanciamento ou por incompatibilidades mesmo. Hoje tenho uma companheira, dois filhos, três enteados, dois netos, ainda uma mãe, vários irmãos, sobrinhos e muitos bons amigos. Gostaria de tê-los a meu lado. Todos. Quero ter todos os afetos comigo. E por perto, se possível. Se estiverem longe fisicamente, que estejam perto, em minha mente.

 

O que fazer para ter os afetos por perto

e não mais perdê-los sem perder nossa autonomia intelectual,

identidade e dignidade?

 

Quarto, eu não tenho muito dinheiro. Tenho uma aposentadoria que me garante a sobrevivência com dignidade, mas deixei para trás, com minhas ex mulheres e filhos, meu pequeno patrimônio. Desapeguei-me deles. Não me importo muito com bens, meu maior bem é minha vida. No entanto, eu poderia estar muito melhor financeiramente se soubesse e me dedicasse a cuidar mais de minha vida financeira, ou, como dizem hoje, de minha saúde financeira.

 

Não fiz isso. Hoje as chances são ainda menores de criar novo patrimônio. Só tenho como bens, poucas coisas, que cabem no baú de um caminhão de mudanças. Só isso. Penso até em comprar um caminhão e morar nele, tantas mudanças eu já fiz e ainda farei. Então, quero manter minha saúde financeira atual, por mais débil que ela seja. Eu ainda quero ganhar dinheiro, ainda quero ter um patrimônio mais sólido. Minha profissão é contar causos e histórias, mas não é só pelo dinheiro que continuo a trabalhar.

 

O que você faz para manter sua vida financeira

equilibrada e saudável?

 

Quinto, eu sou um homem muito tranquilo e de bom humor. Consigo sair de situações complicadas da vida com elegância e sabedoria. Já me afundei muitas vezes e, até hoje, consegui me levantar de novo. E consegui manter minha calma, consegui manter meu olhar na busca da profundidade das coisas. E minha alegria. Minha alegria, minha calma, minha inteligência são meus maiores patrimônios. Eu resumiria isso definindo-me como um homem sábio. Isso quero manter, sempre. Minha sabedoria, essa ninguém me tira. E quero manter minha lucidez, para manter minha sabedoria ativa.

 

Como cultivar e manter a sabedoria,

esse patrimônio intelectual e espiritual

muito poderoso em nossa idade?

 

Resumindo, temos cinco patrimônios, imateriais, que devemos manter sempre conosco e nos lembrarmos sempre de nunca esquecer de nos lembrar o quanto são importantes para nosso envelhecimento saudável:

 

1. o tempo e a vida que ainda temos pela frente, com saúde;

2. a motivação para desenvolver nosso projeto de vida, seja ele qual for (no meu caso, contar histórias, principalmente através da escrita, mas também em vários outros suportes que a tecnologia nos permite);

3. os afetos, guardar conosco todos os afetos, até mesmo recuperar os afetos perdidos;

4. a saúde financeira, para não sermos dependentes dos outros e podermos usar nosso tempo como quisermos;

5. a sabedoria, com alegria e bom humor, que sabemos hoje ser uma forte aliada contra a demência.

 

Simples? Sim, simples assim. Difícil assim. Não é fácil ser simples, no entanto, o melhor caminho está na simplicidade. Podemos ter, nesses caminhos que a vida nos oferece, ricas experiências em nossa maturidade e velhice. Afinal, queremos viver, não é? Nosso objetivo é ter uma vida longa e saudável e poder contar, com nossa própria voz, nossas histórias para que todos nos ouçam e nos respeitem. E fazer muito barulho para mantermos nossa visibilidade neste mundo que nos quer invisíveis e calados esperando o final, a transformação, a morte. Claro que temos muito a perder, mas nossa sabedoria nos ensina a aprender com as perdas para ganhar uma vida longa e saudável. Perdas e ganhos, não é isso, velho(a) camarada?

 

O que não podemos perder, de fato,

é a nossa generosidade e nossa gratidão.

Sem elas não manteremos nem mesmo nossos patrimônios imateriais acima.

 

 

 

 

Paulo Cezar S Ventura
Enviado por Paulo Cezar S Ventura em 29/05/2023
Reeditado em 02/06/2023
Código do texto: T7800157
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