Confissões de Um Domingo Qualquer

Sozinha. Os meus dias têm sido permeados deste abrir e fechar de olhos, enxergando cada passo dos vultos de minha solidão. Não há uma falta, mas há um tremendo espaço, onde dançam todas as desilusões... Amanheceu. Abro os olhos, mas permaneço na cama, deixando estar... Até que levanto de sobressalto porque percebo que "deixei estar" até demais. Sigo para a pia do banheiro. Jogo a água fria no rosto, esfrego os olhos e tiro as ramelas. Depois seco o rosto na toalha e sento no vaso para fazer xixi. Então sinto um corpinho ínclito se esfregando nas minhas pernas, é a Bebê. Ela se esfrega e ronrona aos meus pés. Enquanto a Caia, observa da porta entreaberta do banheiro. Bom dia, meus amores! - Digo-lhes. Ou talvez eu não tenha dito nada, mas tenho a impressão de que falam os olhares.

Caminho até a cozinha e coloco a água do café para ferver. Enquanto o fogo faz o seu papel, me coloco à fazer o meu: trato de passar uma vassoura na casa, limpo os potes de ração e de água, e reponho-os em meio a miados agudos e aflitos. Eu também tenho um grunhido aflito, talhado no meio da testa! E ele me delata sempre que me assaltam as preocupações. - Penso. O que me lembra, a água já ferveu. Passo um café forte, e aquele aroma delicioso impregna o ambiente. Com a xícara fumegando entre as mãos, vou até a janela contemplar o dia que desponta lá fora. Como é linda a manhã! Como é lindo que amanheça! Está chovendo. Não me importo. Chove, e mesmo assim os passarinhos cantam. Quem sou eu então para protestar indignações? Chove, e eu também acho lindo. Pois que lave a santa chuva-senhora estas ruas e alimente a vida na terra.

Volto ao quarto, na frente da porta fica o guarda-roupas. Há um espelho na porta do guarda-roupas, ele me recorda que tenho face, corpo e cabelos bagunçados de acordar. Fico ali, com a xícara nas mãos, os olhos nos olhos, analisando cada detalhe no corpo refletido. Passeio o olhar pelas imperfeições do rosto, pelas singularidades dos cantos... Mas sempre retorno aos lumes fundos da face. Olha dentro, olha melhor. - Diz-me este par de abismos. Eu tenho tanto medo... E de repente faísca um brilho de tocha do inferno, que tanto me rebenta pela força impetuosa que insinua, quanto alimenta o negrume deste olhar. Vislumbro que sou funda porque cabe em mim uma infinidade de coisas, e escura que é para brilhar imenso este meu jeito de querer tudo apanhar com os olhos. Do que é que eu realmente tenho medo? Talvez de apagar...

Repouso a xícara sobre a cômoda de livros, pego a leitura da manhã e me sento para dedicar-lhe o gosto pelas palavras. Hoje eu vou escrever... Me pego em "estado de poesia."