Paixão só é efêmera pra quem não escreve

Às vezes o silêncio me ensurdece por dentro. Prefiro o caos externo a conviver com meu eu. Minto. Eu gosto da solitude. Só não gosto da solidão. Eu sou que nem um gato ( e essa é a única comparação possível que com esse bicho pouco simpático), gosto de passar colada nas pessoas, gosto de me enroscar e sair de fininho. Pedindo sem pedir. Atrás do que a gente não fala. Um abraço de verdade, de corpo inteiro, me surpreende tanto que eu fico lembrando disso sempre. E pra sempre. Preocupante, eu diria. É que eu estava acostumada a não soltar minha mãe. Hoje eu calculo como vou pegar na mão de alguém.

Não posso eu ser a única a pensar assim. Lembro quando eu estava doente e dei meu primeiro beijo. É que eu acho que a paixão é uma espécie de doença da alma. O amor seria uma cura ou um agravante? Acho que ambos. Um dia eu vou querer, desesperadamente, uma paixão seguida de amor. Agora eu sinto que nada é pra já. A não ser que seja. Mas eu mesma não sei.

Nesse dia, eu não precisei encostar nele pra sentir o que já vinha sentindo há meses. Era um desconhecido. Continua sendo. Mas aquele personagem em torno de sua pessoa foi quem disse, ou eu disse ( não lembro), que aquele momento foi como estar abraçando o mundo. Ou envolvendo o mundo em seus braços. Que é a mesma coisa. Se estou louca eu não sei. Mas eu lembro disso. E acho que não fui eu quem disse. E olha que dizer, melhor, escrever foi a coisa que eu mais fiz. Por muito tempo eu achei que tudo, até mesmo os fatos, nunca aconteceram. Que tudo foi uma ilusão, um sonho, que ele não existiu. Agora, enquanto eu escrevo isso, juro que está tocando aquela que fala “você foi a mentira sincera/ brincadeira mais séria”. Não gosto, quero deixar claro, do ídolo de minha mãe: Roberto Carlos. Mas conheço todas.

Uma vez, quando eu fazia terapia, minha psicóloga disse que talvez não tenha sido tudo mentira. Que, apesar dos pesares, existiu um sentimento. Sinceramente, eu não sei. E vou continuar sem saber. Eu só levo comigo as lembranças que gosto de ter ( mentira). Eu levo uma mala cheia de tranqueiras sentimentais também, mas da vida toda. Esse abraço foi mesmo verdadeiro, por mais que aquela pessoa não tenha sido, mas o momento foi. E é disso que eu sinto falta. De sentir as coisas. As boas. Depois de certas vivências, eu me permito tão pouco que esqueci como se chora. Que dirá me abrir verdadeiramente pra alguém. Eu posso me abrir, mas eu vou embora. Ou eu nem vou. Eu nunca chego. É isso. Eu dou uma amostra de mim e não me mostro nunca. Mas é porque eu aprendi a ser cautelosa ( medrosa).

Só vou me envenenar de novo quando tomarmos da mesma garrafa o vinho da paixão. Não que eu beba. Mas por esse momento a gente vira até Dionísio se for preciso. Não sei o que é o amor, mas a paixão eu conheço. Sei também que não vou sentir aquilo de novo. Eu não sou mais a mesma, o objeto da paixão não é o mesmo, o momento nunca mais será o mesmo. Nada será como antes. E que bom. Eu ainda quero comprovar a teoria de Drummond. De que amar é um privilégio de maduros ( devo ser uma semente ). Mas eu ainda quero viver tudo de novo, tanto, e mais que um tanto mais. Porque é muito bom dormir e acordar anestesiado. É um gostar mais do que gostar, é uma dor que não dilacera o peito - mas o expande pra caber mais e mais. Vai dilacerar quando você souber que aquilo acontecia só na sua cabeça.

Me sinto um senhor agora. Um daqueles que vão de óculos escuros pro bar antigo, o mais precário da cidade, com uma mesa de sinuca e cachaças em uma prateleira de madeira. Escutando Bartô Galeno. Ou Zezo. Grandes formadores da identidade sonora de uma cidade de interior. No meu cenário, também acendi mais um cigarro. E não preciso de uma música no toca-fita do meu carro pra lembrar de você. Não fumo e nem tenho carro. Mas acendi mais um incenso. Enjoa um pouco, eu sou sensível até pra isso. Sinto que essa fumaça pode me sufocar, mas eu quero mais. Meu vício é você. Meu cigarro é você. Você-você: a escrita e a vida.