Alguma coisa acontece no meu coração

Tudo que eu li se desfaz quando ouço Rita Lee. Deve ter sido mais ou menos isso que Leminski escreveu. Não gosto da ideia de São Paulo, assim como Caetano em “Sampa”, mas foi ela quem deu sentido. Talvez somente mesmo sendo uma mutante pra entendermos a poesia dessa feiticeira, como ela dizia. Os Mutantes são filhos da Tropicália, sim, quem introduziu a guitarra elétrica na música brasileira foi Caetano. E Gil. E Rita foi quem descobriu o rock pra si.

Não vou falar de Rita Lee como se fosse superfã. Eu admiro , gosto, ouvi a infância inteira. Fiquei triste. Só não me conecto inteiramente. Quando Gal morreu, tem 6 meses já, eu chorei como se fizesse sentido eu chorar. E também não sou superfã. Eu gosto muito. E senti muito. Talvez por ser mais a cara da Tropicália, mais musa daquilo que me toca. Duas se foram. É estranho pensar. Não quero, portanto não vou. Embora esteja sendo rebelde agora.

Penso que Clarice e Rita seriam amigas. Irmãs. Amantes ou indiferentes. Seriam algo. Hoje estava lendo Clarice, estaria lendo Clarice agora mesmo se não fosse por essa minha tola necessidade de escrever. Principalmente quando alguém assim morre. Ao mesmo tempo que é maravilhoso estar viva junto aos grandes, a esmagadora diferença de gerações traz à tona a realidade do destino: a partida. E aí o que já era distante torna-se utópico. Torna-se um ícone em um pedestal cuja estrela brilha, a gente olha embasbacado e se conforma em jamais alcançá-la. Não faço isso. Quem mora em mim vai morrer em mim. Quem mora em mim tem o prazer ou não de me conhecer mais do que eu mesma. Clarice eu chamo de “Clarice”, não de “Lispector”. Por que eu haveria de chamar pelo sobrenome uma clara parte ilustre da minha personalidade? Uma parte à parte de mim, que obviamente é muito mais brilhante do que eu. Mas eu juro que leio Clarice como quem lê palavras velhas jamais publicadas ou como quem acessa meus pensamentos em tempo real. Rita, pra mim, era meio distante. Por isso não chorei sua morte, apenas mantenho meu respeito. Ato falho. Me encontro emocionada. Claro que eu chorei. Claro que eu me encontro em lágrimas exatamente agora, eu só demorei pra perceber. Eu sou eu, não poderia ser outra coisa. Carrego essa sina que é só minha. E talvez de quem eu quiser comigo.

Mas sei que no dia em que meus conterrâneos da Tropicália estiverem saído para fora do círculo do tempo, cujos nomes eu sequer tenho coragem de associar ao desencarne, podem ver como eu estou. Porque eu estarei morta.