“Tom na Fazenda” e o chiclete misterioso

Ontem eu me senti feliz. Isso é como vencer na vida. A vida é rara. Adentrei em um teatro, pela primeira vez, e chorei. Não foi em um daqueles teatros clássicos, históricos. Ainda. Mas foi para presenciar um espetáculo aplaudido de pé por não sei quantos minutos. No Brasil e no mundo. E eu, que não sou ninguém, encho o peito de orgulho só pra escrever isso. E eu, que não sou nada, virei pra trás e me emocionei olhando para aquela multidão de pessoas. E eu, que eles não conhecem, sorria abestalhada para quem estivesse no meu campo de visão. Eu fui, como poucas vezes nessa vida, eu mesma. Eu me derreto em lágrimas, eu dou “com licença, boa noite” em qualquer situação que seja ( deve ser por isso que sou tão ignorada), eu não disfarço minha cara de surpresa, de euforia, paixão, indignação. Eu olho, abro a boca, coloco a mão sobre ela, contenho uma lágrima e abro um sorriso. Que faz com que a água percorra o meu rosto. Ninguém entende nada. Ontem, por sorte, eu senti tudo isso.

Que feliz que eu estava por ter investido nessa oportunidade. Tenho certeza que minha experiência foi mais catártica pelo tom da inexperiência, do não lugar, da ingenuidade que ainda me habita, do ar interiorano de quem não conhece e nem viu nada ainda, pela juventude. Tirando as pré-adolescentes que foram claramente obrigadas pelos seus pais riquíssimos, certamente eu era a mais nova. Tinham vários idosos branquíssimos, ricos, finos, gays. Quase todo mundo era. Vários casais de todas as idades. Que bonito que foi. Deu um certo tom de pertencimento para eles, com certeza. Mas eu não sou um homem gay e também me senti pertencente. Eu estava dentro de um teatro, dentro uma comunidade rodeado de amantes de arte e de artistas, eu estava dentro de mim. Eu estava dentro da minha área. Eu lembrei que eu curso o que eu queria, no lugar em que eu escolhi, podendo estar em qualquer outro curso de qualquer outro lugar. Sim, é verdade. E é preciso dizê-lo. Mas eu sou isso aqui. Eu sou isso aqui, seja lá o que isso for. Espero poder sentir para além de uma mera espectadora. Espero poder dizer que eu sou do audiovisual, das artes, do cinema e do teatro sem que tenham pena de mim. E que o outro lado não me esnobe. Aliás, eu espero poder dizer isso por de fato ter conseguido seguir com meu sonho inicial. Hoje, eu sei que não sou ninguém. A não ser eu mesma. Mas ninguém se importa com isso. Podem até desprezar. O artista tem uma aura interessante, sobretudo o artista de teatro. O teatro em si. Tem uma aura que caminha em uma corda bamba, qualquer deslize termina em estupidez. Em elitismo. Em bestagem, como diz na minha cidade. Tudo da arte surge em um meio egocêntrico, né? O que é arte? É sair do eu para encontrar comigo. Começa assim. Mas precisa terminar sendo um espelho de referência.

Eu vi um ator daqui, muito lindo, que fez a última novela das seis. Na Globo, na Globo. Vamos respeitar o galã em construção. Aliás, ele já tá muito bem construído. Que rosto, que pele, que cor bonita de doce de leite, que sorriso, que cabelo lindo, que barba linda, que homem bonito que chega cansa. Mentira, cansa não. Eu tive uma aula com ele, antes de saber de sua existência, e fiquei completamente encantada. Eu gosto que a inteligência me fascina, eu só percebi que era um belíssimo rosto falando depois de constatar que era um belíssimo cérebro pensando. Para a tristeza de uns, eu saquei no mesmíssimo instante de sua aparição que ele certamente era gay. E era mesmo. Ele até comentou isso. Eu nunca erro, é impressionante. Que habilidade mais sem serventia.

Ontem, estávamos os dois na mesma fila do teatro. Eu quis sair de lá e pedir uma foto com ele. Fazer vó feliz. Ela ama todas as novelas da seis. E eu contei para os meus avós, por telefone, que tive uma aula com um tal de “Joel Leiteiro”, de Mar do Sertão. Eu nem assistia. Mas sei que tinha uma personagem chamada “Anita” que fazia par romântico com ele. A virgem e católica Anita com Joel, o peão bobinho que não sabe que é muito gato. Vou rejeitar o catolicismo para dizer: coincidências não existem, isso é o destino. E viva Allan Kardec e o espiritismo. Bem que minha mãe dizia! Agora é só aguardar ele magicamente gostar de mulheres.

Depois dessa grande notícia, mãe sempre me contava que todas as vezes em que Joel aparecia em cena, meu avô fazia a mesma pergunta: “hein, Carmita, é esse aí o amigo de Anita, né?”

E vó respondia: “é, diz que é, parece que é. “

Mãe, inutilmente, refutava: “não, gente, ele é ex-aluno do professor de Anita. Ela teve uma aula com ele. On-line”.

Silêncio.

Vô: “a nega é braba, já tá fazendo amizade com esse povo da novela”.

Vó ficou em silêncio por medo de concordar precipitadamente, mas eu sei que ela pensou o mesmo. Inclusive, provavelmente temeu por nossa suposta “aproximação”. Resumindo: não se pode contar nada para os meus familiares.

E bem que eu queria estar próxima, muito próxima, tão próxima que eu chegaria a ver os poros que ele nem possui. Mas ele está noivo. E é gay , o que piora em -200% as minhas chances.

Ontem, eu tive o prazer de vê-lo mascando um chiclete. Sim, pareceu um comercial de Trident. Ou Mentos. Bem jovial. Bem Jorel de “Irmão do

Jorel “, com os cabelos esvoaçantes. Ele mascava aquele chiclete malandramente, tal como o rei Michael Jackson comia pipocas na sala de cinema de seu clipe “Thriller”. Ali, na minha infância, eu percebi que tinha algo de diferente naquilo.

Eu: “pai, Michael come a pipoca todo malandro, de boca aberta, com um sorrisinho”.

Ele, rindo por perceber o mesmo e orgulhoso dessa constatação maravilhosa, disse: “é mesmo, Pin! Michael era brabo”.

Tá, esse diálogo não foi exatamente assim. Mas ele aconteceu. E “Pin”, por pior que pareça, é o meu apelido carinhoso dado por ele. Junto de “Pinpa”, “Pó” e por aí descemos a ladeira.

O que isso tudo quer dizer? Que eles têm um negócio massa que eu não sei o nome. Talvez sensualidade. Talvez manha. Talvez só eu veja isso. Mas foram segundos lindos. Poderia sair uma manchete nesses sites horríveis de fofoca, não é? Típico. Algo como:

“Eita! Em Natal-RN, o ator Matteus Cardoso foi flagrado mascando chiclete com seu noivo. O vídeo viralizou hoje no Twitter: ‘esse Joel leiteiro é um t3são’, dizem os comentários. O que vocês acham?”

Que delícia. E que absurdo ao mesmo tempo. Eu diria que eu jamais pensei vê-lo sendo tão explícito assim. Foi tipo quando Amélie Poulain enfiou os dedos, a mão inteira, naquele saco de - sei lá - lentilhas. Aquilo foi explícito. E o chiclete também foi. Eu imaginava um homem mais contido, de roupinha social, usando óculos e falando sobre sua temporada na Rússia. Porque ele de fato estudou lá. Percebi que tanto faz, Matteus Cardoso, você é lindo. Mas eu sinto que você é meio metido. Talvez seja a aura do artista. Talvez um dia eu experimente isso. Talvez em um outro tom.

É triste pensar que o outro ator que eu acho interessante, que inclusive fui vê-lo ontem como protagonista da peça, é também gay. Agora todo homem que eu acho massa é gay, artista, casado e mora no Rio ou no exterior. Geralmente tudo junto. É tão raro assim um homem hétero que não seja escroto? ( sim). Um homem hétero que não se deleite no seu machismo, que não se afunde no seu falocentrismo? ( sim). Que seja o básico, o mínimo, mas que também seja interessante, só que sem ser pedante e muito menos sem reproduzir a retórica ridícula dos coaches. É pedir muito uma pessoa normal? Ou talvez eu queira alguém parecido comigo, mas eu não sei se minha versão masculina prestaria. Os homens gays ganham mais, eu acho. Tirando a homofobia. Esse detalhe.

Tudo isso eu tô pensando agora. No momento, eu só quis o momento. Sentir que você está onde você quer estar e precisa. Onde talvez seja o seu lugar, mas você ainda procura a cadeira. Às vezes cansa, paro um pouco, depois volto a andar pelo labirinto das fileiras. Eu chorei mesmo. Porque foi bonito. Pra mim. Eu sei que aquele público estava acostumado, eu sei que me olharam meio bestas, mas eu demorei alguns bons minutos pra entender que eu estava ali. E até agora eu não entendi, na verdade. Só sei que amei.

Ah, eu usei a palavra “tom” algumas vezes na esperança de fazer algum trocadilho qualquer com a peça. Desisti. Não acho de bom tom.

(Mas Tom é bom demais!)