Sonhos Portugueses (com tradução)
Sonhos Portugueses
Estava bué acalorado o dia e a canalha mais irrequieta do que o usual. Rebuçados por certo que também contribuíam.
O puto Manoel atrás de um bico, que mal pagava uma bica, já gritava:
-Cum caraças cuidar dessa canalha! Poderia eu estar na praia distribuindo piropos para as giras, vendo as cuecas passarem, ou exercitando meus conhecimentos de banheiro...
Demandava pressa encontrar uma ocupação para pagar as propinas, aluguer, quitar o talho, levar a cachopa àquele ristorante de grande montra, candeeiros de tecto e casa de banho com autoclismos dourados que lhe acendiam os olhos. Pedir ao empregado de mesa uma punheta das mais elaboradas com gambas e caril, e chá em chávenas de porcelana.
O trabalho de estafeta exigia fato. Nem quebrando o mealheiro conseguiria.
E a malta gritava e corria como louca. A consoada se aproximava. Não podia deitar fora alguns cêntimos a mais. O senhorio não era totó. Mais um mês e toda a conversa de treta daria em águas de bacalhau.
Moço que fosse estava nas tintas. Pelo menos lhe ofereceram banco, ventoinha, sandes e sumo de lima com palhinha.
Juntaria para o fato e seria porreiro contar tal surpresa a sua gaja. Aí sim seriam pipas de massa! Sonhava...
Agachou-se amarrou os atacadores e ficou atento para que nenhum miúdo se aleijasse.
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Estava muito quente o dia e as crianças mais irrequietas do que o usual. Balas e doces por certo que também contribuíam.
O jovem Manoel atrás de um bico, que mal pagava um cafezinho, já gritava:
-Que droga cuidar dessas crianças! Poderia eu estar na praia distribuindo galanteios para as garotas bonitas, vendo as calcinhas passarem, ou exercitando meus conhecimentos de salva-vidas...
Demandava pressa encontrar uma ocupação para pagar as mensalidades escolares, aluguel, quitar o açougue, levar a menina àquele restaurante de grande vitrine, lustres e banheiros com descargas douradas que lhe acendiam os olhos. Pedir ao garçom um prato de bacalhau dos mais elaborados com camarões graúdos e molho de ervas, e chá em xícaras de porcelana.
O trabalho de office-boy exigia terno. Nem quebrando o cofrinho conseguiria.
E o bando gritava e corria como loucos. A Ceia de Natal se aproximava. Não podia dispensar alguns centavos a mais. O senhorio não era bobo. Mais um mês e toda a conversa fiada não daria em nada.
Por mais baixo que fosse o trabalho não se importava. Pelo menos lhe ofereceram cadeira, ventilador, sanduíches e suco de limão com canudinho.
Juntaria para o terno e seria excelente contar tal surpresa a sua garota. Aí sim ganharia muito dinheiro! Sonhava...
Agachou-se amarrou os sapatos e ficou atento para que nenhuma criança se machucasse.