V i d a

 

 

De vez em quando preciso correr para nem tão longe, nem tão perto, simplesmente para um lugar onde nada do que tem na cidade grande, lá existe, preciso de céu e de verde, de sossego, mente limpa, me refazer, mas em nenhum momento da minha vida, acredite, eu não largo você... na viagem de umas três horas, às serras, o frio, o aturdir nos ouvidos, feito andar na parte da asa do avião, numa altitude destemida, para me esconder, comigo levando quase nada de bagagem, vida simples lá em cima, mas lá embaixo, na cidade eu não deixei você, e vamos nós, caminhos estreitos, arriscados, não tem jeito, para chegar ao paraíso superamos os gigantescos abismos, o segredo é não olhar para baixo, vou escutando o barulho das fontes, vez por outra um riacho, atravessando túneis e túneis de plantações, milhos, bananeiras, outras e outras árvores e infinidade de plantas, arvoredos, para encontrar ainda mais de perto a felicidade, tem lá os seus segredos, curvas... e curvas sinuosas, cheiro de mato, chuva insistente fininha, faz companhia, estou com você, nunca ando sozinha, brisa gelada, eco nos montes, som dos pássaros e de novo e de novo, disso não me canso... é a vida, esse caminho tão particular, memórias e realidade que serão guardadas bem no fundo, na alma que sabe onde quer ficar, e saberá a hora de definitivamente voltar, quando as suas asas precisarem de vez, pousar.

 

Cansada da viagem, cedo da noite fui dormir escutando os suspiros dos pios curtinhos dos passarinhos quando exaustos querem se recolher, noite escura, o escoar das fontes, coisa rara, que beleza, fui dormir com o verde intenso dos vaga-lumes piscando no meu olhar a esperança, descanso... por fim cheguei, aqui é o meu horizonte. Ah já amanheceu... fui despertada pelo canto forte dos corrupiões, levanto ligeiro, mas devagar corro para fora para não lhes assustar, pretos e alaranjados, lindos lindos, de canto tocante, deixando-me maravilhada, contrastando o verde do verde intenso do terreiro, parece mentira, eles se misturam, sabiás, juritis, canários, sanhaços, bem-te-vi, a cauda em leque do anum solitário, de canto eu diria triste... outros anuns em bando, e outras espécies de pássaros que desconheço, voam juntos, unidos, dividem os seus alimentos achados, os gritos estridentes das maritacas que se confundem no verde das plantas, e sem dar conta dos tantos beija-flores e borboletas de toda cor, meu Deus, que visão perfeita, tem que ser visto e sentido por uma alma carregada de amor, que passeia mais longe na neblina olhando que tudo, tudo isso dá mais vida às flores, as margaridas de tão perfeitas parecem artificiais, nem acredito, preciso ver de perto, de aveludado natural, miolo amarelo, supera a expectativa, entre tantas outras flores elas são as minhas preferidas, em toda a natureza. E os beija-flores que incrível!

 

Um pouco de conversa jogada fora, assim que descobri coisas sobre os corrupiões, por eles fico deslumbrada, mas soube que cedo eles expulsam os seus filhotes para o mundo e também que eles não constroem seus ninhos, antes usam ninhos emprestados e põem seus ovos lá, será? ... Achei engraçado. E eu, será que conseguiria viver pelo resto da vida no topo assim dos montes, viver no meio das flores silvestres, de onde se almeja o céu somente, cercada por pássaro de muitos nomes e seus diversos jeito de cantar, com os beija-flores por todos os lados, chego a pedir a Deus para desse sonho e realidade, não despertar, solto um canto, feito àquele anum solitário que canta não sei se queixando do quê? Não sei, acho que ele me viu, e perguntou por você. Respondi que você estava ainda dormindo, menti. Bateu saudade.

 

Eu aqui, longe de tudo, sem comunicação nenhuma, três dias isolada do mundo de lá, acho que conseguiria, de repente tenho medo de nem mais querer voltar... lá estão vindo as nuvens e mais nuvens encobrindo o sol, as serras verdes ficam cinza, brancas, tantas nuvens derramadas, esfumaçando parecendo até queimada, mas não é, é a frieza da serra, quietude, uma sensação de vida, nem preciso ser exagerada, ouço os meus amados passarinhos, seus gorjeios, outros lá bem mais longe muito longe respondem, aqui só eles entre si se comunicam, a chuva cessou, o bando de bem-te-vi!!! Jamais vi assim tantos juntos, fico em silêncio, assistindo tudo em minha rede, não quero assunto, de vida a minha alma tem sede, é um espanto emocionado, o verde, o frio, que agasalha a minha alma e aconchega, abençoado ar puro, feliz por descobrir que não preciso de outras asas, a tempo, aprendi a voar, não preciso soltar a minha voz, quero encolher-me nesse frio gostoso, esquecer da minha vida as desilusões, vez por outra venho me enfiar nos matos, ouvir os pássaros, olhar as flores, beber o mel do engenho, café coado, cabelos molhados dos banhos nas cachoeiras, e tanta história para os meus netos ainda quero contar, dizer que avistei a raposa, ela estava só, assustando as galinhas, mas o "Pequeno Príncipe" cresceu e foi morar na cidade.

 

Descobri o amor, sim o tempo todo, em cada flor da serra, uma a uma que colhi para você, depois o arranjo natural, no vaso bem simples, enfeitou o cantinho onde o meu pensamento foi lhe encontrar, ouvindo a chuva fina caindo, escorregando no telhado, os meus sonhos adornados de amor, você estava no canto mais bonito dos passarinhos, estava no caminho verde que percorri para chegar, estava nas nuvens alvinhas enfeitando as serras e resfriando o clima, é assim que a minha alma se anima e se entrega à sua, quando não está, e volta, traz o seu sorriso suave, tímido, ali tão presente, amo você de um jeito infinito e inocente, na folha verde, nas folhas amareladas que o vento traz, uma mistura de estação, de saudade e de vontade que a vida não me deixa esquecer, você estava na emoção que senti naquele lugar, está comigo agora, vai comigo por onde quer que eu vá, está no sono, nos sonhos eu sempre sei onde lhe encontrar, você estava em cada pétala das maravilhosas margaridas, flores desse amor que num sonho não se encerra, enquanto a vida me abraçar.

 

Sabendo que a vida tem os seus momentos indesejados, quando estamos em algum lugar mais parecido com um sonho, resta-nos aproveitarmos cada segundo dali, para ficarmos apaziguados em lembranças por muito tempo, o corre corre do dia a dia não nos dá o tempo que precisamos para aproveitarmos as coisas mais lindas da natureza, e viver não é caminhar em um mar de rosas, nem dela querer somente o adocicado das ilusões, e leveza em demasia, e quão cansativo seria, assim suponho... fica muito complicado por vezes, separar a fantasia do autor, da vida como ela de fato é, mas quando a alma terminou o estágio dos anseios e sofrimentos, atenta, busca somente a paz interior e para que isso aconteça, um lugar bonito, junto da natureza é tão preciso, esse bálsamo construtor... fugir de coisas tão tristes, deprimentes, palavras frias, duras, maldosas, fugir dos críticos, olhar somente para o que causa emoções e sensações de vida, o meu sentido de viver, nesse meu jeito de ser feliz, por que eu quero ser feliz, descobri que não é algo impossível, muito pelo contrário, há mais tempo quisera eu pensar assim, viver assim...

 

estive pensando no quanto viajei sem saber viajar, antes não ouvia as coisas com tanta intensidade, nem enxergava com tanto interesse o que estava ao meu redor, desperdicei tanto da minha vida, reclamando, sentindo as dores das decepções em lamentos, sem deixar a melhor parte da vida fluir, perdi tempo demais sim, guardava mesmo assim, sempre um certo otimismo, no fundo eu sabia e sempre acreditava que iria chegar... e sei que cheguei, mas agora o melhor, despertei, encontrei a saída, e me sinto como se estivesse no topo da vida, já estando, deixando o passado em seu devido lugar, de lá somente as ótimas lembranças, que dê tempo, que haja tempo, agora a primeira estrada que surge diante dos meus olhos já causa festa em minha alma, isso quando ela não está à voar!

 

Que eu não me perca nunca das flores silvestres de tantas cores que me abriram os olhos, que eu não me perca do rumo que me leva ao esplendor duma noite de luar, nem desse anjo em forma de homem que no meu caminho mais difícil me estendeu as suas asas pra que eu aprendesse à voar! Agora é outro tempo, eu paro para sentir, eu presto muito, muito, muito à atenção devida, absorvo, deixo a felicidade me tocar, não deixo a correria me contaminar por pessoas ou caminhos que não me levam a nenhum lugar. Em cada curva por onde passo faço a minha alma se curvar perante cada flor, mostrando-me que a vida pulsa feito a poesia... a minha e a sua. São tantas tantas estradas, que haja em cada tentativa de chegar, percalços e desafios, mas que também eu nunca perca o meu tanto encantamento, não vejo mais as paisagens em preto e branco, logo eu que sou dada ao deslumbramento e aos sonhos, hoje só consigo parar para sentir a realidade, quando são fatos, coisas e pessoas que valham a pena me fazer nos acostamentos da vida, estacionar, respirar vida e de vida plena eu possa me inebriar. O que seria da vida se não déssemos uma pausa para depois refeitos voltarmos à ela.

Liduina do Nascimento
Enviado por Liduina do Nascimento em 09/04/2023
Reeditado em 10/04/2023
Código do texto: T7759590
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