DO LADO DE DENTRO DA TELA

A tarde estava nublada e, no ar, pairava um cheiro de chuva que invadia minhas narinas prenunciando uma temperatura amena, pela noite adentro.

“Fazia já algum tempo que, apático, me encontrava sentado no sofá da sala, diante do aparelho de TV, um “LCD” de 32”. Na tela, uma das indefectíveis propagandas das “Casas Bahia”, com um sujeito apalhaçado, gesticulando além da medida, anunciando um montão de produtos da cadeia de equipamentos domésticos.

No meio do falatório pululavam, em segundo plano, várias personagens à guisa de funcionários ou freqüentadores das lojas do grupo, todos, sem exceção, sorridentes, com as alvas dentaduras exacerbadamente à mostra.

Foi aí que comecei a dar tratos à bola. Afinal, qual o motivo de tanto riso e sinais de satisfação e alegria de toda aquela gente que se espreme lá dentro do aparelho?

Nem bem atinei, direito, nesse pensamento, quando senti uma espécie de sucção magnética ao redor do meu corpo, cuja origem estava, bem à minha frente, ali no aparelho de televisão.

Aquilo foi fazendo com que me levantasse e caminhasse em direção à tela. Meus músculos e nervos, nessa altura dos acontecimentos estavam completamente infensos aos comandos do meu cérebro. Não era mais eu o senhor de mim mesmo. Quando percebi já estava com a perna direita dentro do televisor que ia sugando, lentamente, o restante do meu corpo.

De repente, já estava totalmente engolido pelo aparelho e atravessava um recinto estranho, cheio de pontos de solda, semicondutores, um montão de fios coloridos, vários resistores contendo inscrições, capacitores, placas de circuito impresso, etc, etc...

Mais adiante, um circuito perigoso que identifiquei como a fonte de energia para alimentar toda aquela parafernália de componentes eletrônicos. Havia um transformador, com diodos, em uma ponte retificadora bem diante do meu nariz e logo imaginei o tipo de acidente que poderia sujeitar-me caso tivesse contato com algum daqueles componentes eletrificados.

Bem atrás, há uns poucos metros, estava o canhão do tubo de raios catódicos emitindo o ruído característico de elétrons sendo violentamente projetados de encontro à pintura interna produzindo os pontos e linhas formadores das imagens. Senti um frio na espinha e o medo que se seguiu fez com que, instintivamente, procurasse afastar-me daquela radiação perigosa.

Com cuidado, fui me esgueirando por dentre os componentes dos circuitos e, finalmente, acabei por chegar a um lugar que parecia a ante-sala do paraíso. Tão logo apareci, no portal, fui recebido por duas dançarinas do Faustão que se enroscaram nos meus braços e foram me conduzindo para um salão contíguo, dando-me seus cumprimentos e votos de boas-vindas.

Nunca me imaginei tendo qualquer tipo de aproximação com aquelas garotas pra lá de boas, todas escolhidas a dedo por algum especialista escolado. Vestiam um minúsculo bikini e um reduzido top, ambos marcantes, delineando o que fingiam esconder...

Aquilo estava me proporcionando uns instantes de surpresa e apreensão, pois não tinha a menor idéia do que estaria por acontecer. Ainda não havia processado, direito, o que estava fazendo ali e qual o motivo de estar sendo personagem daquela situação inverossímil.

Percebi que as duas “poderosas” estavam me conduzindo por um corredor ladeado de portas com placas que exibiam nomes de artistas e celebridades televisivas. Podia ouvir o alarido natural da convivência artística. Gente falando em altas vozes e rindo por um não sei o quê.

Num átimo de tempo, voltei meu pensamento para a sala de visitas, em minha casa, exatamente para o sofá em que me encontrava antes de iniciar essa inusitada aventura. Pensei em minha mulher e uma interrogação fixou-se em minha cabeça: Como o televisor ficou ligado, será que ela estaria vendo o que se passava comigo? Como interpretaria minha caminhada pelos estúdios da TV, ladeado por aqueles dois monumentos minimamente vestidos?

Mais adiante, pude observar a quantidade de luminárias e holofotes que surgiam de todas as direções, fazendo do palco, um verdadeiro amontoado de luzes, com um calor acima do comum. Aparelhos de ar-condicionado davam o máximo esforço para amenizar aquela fantástica salada de luzes.

Não tinha a menor idéia a que canal pertenciam aqueles estúdios, pois diante de mim havia uma tremenda miscelânea de artistas nas mais diversificadas caracterizações.

Sílvio Santos explodia em gargalhadas mostrando, de ponta a ponta, os alvos dentes de cada maxilar, sacolejando notas de cem reais por entre os dedos. Faustão, falando pelos cotovelos, perdido na emissão de meia dúzia de palavras clichê: “Ôrra, meu! Galera, Atenção! Olha”!

Em seguida disparava a falar pelos cotovelos sem dizer coisa nenhuma...

Raul Gil, assassinando, sem dó, a gramática, fazendo palhaçadas, deitado no chão, para crianças que não estavam achando lhufas de engraçada, aquela pantomima!

Na porta de um camarim, um outro apresentador vociferava: “Eu aumento, mas não invento!”. Mais adiante, embaixo de um magote de refletores, um outro meio acarecado dizia: “Corta pra mim! Corta pra mim!

De repente, no meio de toda essa tempestade nos intestinos da televisão, uma visão fantástica apareceu diante de mim. Era a beleza em pessoa na figura da Hellen Ganzarolli! Quase não pude acreditar no que estava vendo! A belezura aproximou-se como se já fosse uma velha conhecida, toda sorridente e com aqueles olhos que só ela tem!

Fiquei imaginando o que iria ouvir daquela maravilha e mergulhei em um estado de profundo torpor. Sorridente, com um exemplar da “Playboy” estampando uma sua foto, desnuda, veio em minha direção com os braços estendidos e sinalizando o caminho para o seu camarim.

Com a cabeça cheia de interrogações sobre os instantes seguintes, deixei-me conduzir após um abraço inesperado porém, estonteante...

Foi nesse instante de profunda expectativa que ainda pude observar que os refletores e as luminárias do estúdio, aos poucos iam se desvanecendo e eu estava sendo sugado, agora de maneira inversa, voltando para a sala de visitas.

Intrigado e muito sem jeito, ainda pude perceber, lá dentro dos meus ouvidos, a desabrida gargalhada o “Olha aí, galera”, do porcaria do Faustão!

Foi, então, que olhando para mim mesmo, pude perceber que estava sentado no sofá e que havia sido vítima de um crime perpetrado por minha própria mulher. Ao perceber que, mesmo sentado, eu havia adormecido, para não interromper meu sono, delicadamente, desligou o televisor...

Minutos mais tarde, ao acordar, ainda zumbiam dentro da minha cabeça, as Gargalhadas do Sílvio Santos, o “Olha aí, galera”, do porcaria do Faustão e uma propaganda das Casas Bahia oferecendo televisores em promoção!

Da Ganzarolli? Nadica da Silva!

Amelius – Sobradinho-DF -6-04-2023

Amelius
Enviado por Amelius em 06/04/2023
Reeditado em 06/04/2023
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