Eu sou meu plano B

“Eu sinto que preciso estar mais em mim”. Meu Deus, mas se eu ficar mais em mim do que já estou a minha alma sucumbirá ante a minha carne por falta de espaço.

“Eu sinto que preciso de doses cavalares de açúcar para reverter o sabor amargo da vida”. Não. Não preciso. Eu mal consumo essa droga terrível e … “sim, por favor, mais um cubo de açúcar no meu chá, obrigada”. Não, sério. Eu jamais adoçaria um chá. Chá é remédio, chá é prevenção. Não se coloca veneno na sua cura. Sou contra. No máximo, mel. Mas me enjoa absurdamente o mel se dissolvendo naquela água quente aromatizada com ervas, galhos, cascas de árvore, sei lá. Eu prefiro encará-lo. Nada é pior do que estar doente ou nervoso. Que são situações de “chá” na minha limitada concepção, já que não estou em Londres esperando meus pretendentes em uma mesa posta com chá inglês, leite e açúcar. Que terrível. Ou sentada no chão calculando como devo segurar a xícara, para não ser afrontosa, em algum ponto da cultura asiática. Enfim.

“Eu sinto que preciso urgentemente criar alguma coisa, agora, para que eu me sinta viva”. Sim, infelizmente eu concordo comigo com essa frase em todos os universos paralelos da minha existência. Sinto que não sou nada, enquanto sei que sou algo, mas a questão é que esse fato não implica em absolutamente nada. E daí? Eu existo. O que é isso pro mundo? Nada. Tudo é nada. Ao mesmo tempo, eu sou estudante, ser estudante significa que eu preciso continuar sendo estudante ou já me enfiar no mercado de trabalho. Ou os dois. Mas como fazer isso? Não sei. Eu acho que sei ser a pessoa que estuda. Coisa que também não vai me garantir, em conquistas concretas, nada além do que uma cela especial no fatídico dia em que eu perder o meu réu primário. Nem o diploma o estudo garante, eu não vou poder recebê-lo em mãos. Será tudo, mais uma vez, digitalizado. Eu detesto isso. Às vezes eu só queria papéis. Às vezes eu só queria uma carta. Um papel de bala com uma cantada ( não é do meu tempo ). Um guardanapo com uma frase minimamente elaborada para atrair a minha atenção. Ou um origami com uma oportunidade de bolsa dentro. Só coisas simples.

“Eu sinto que a tiktokização do audiovisual é nociva”. Óbvio que sim, eu me vejo obrigada a concordar novamente comigo. E eu juro, juro que isso não é tão comum como se imagina. Pensar que a Globo abaixou a cabeça pro jovem fazendo dancinha em uma plataforma é, honestamente, assustador. Não que eu ache que a Globo tenha perdido o seu poder que é tão grande que chega a ser descabido, mas é estranho pensar nisso. A nova novela das sete conseguiu audiência histórica por divulgação via TikTok, inclusive uma das atrizes foi contratada especialmente pelas dancinhas. Você aí, que é ator, largue seu curso e vá rebolar 30 segundos na internet. Seja esperto. Eu não sou. Isto é, além de ter escolhido uma área extremamente difícil pra quem veio do nada, eu ainda vou precisar me podar ou me adequar ( uma forma de humilhação passiva ) para conseguir me inserir nesse mundão cruel ( emprego) aí que insistem em nos atiçar. Medo. Medo de receber meu belo diploma digital e ser apenas mais uma lembrança no meu grupo de WhatsApp que só tem eu mesma. Isso, inclusive, é um sintoma da vida adulta: ter um grupo só com você para servir de anotações. “Ah, mas e o Notas do celular?” Não. Eu não quero. O “Notas” agora me serve para escrever essas coisas que invento. Antes eu escrevia em folhas avulsas. Olha só. Aos poucos estou cedendo. Daqui a pouco eu me verei obrigada a ser atriz de TikTok, coisa que eu sei que não sei fazer. Depois do teatro, se expor na internet é só pra quem sabe. Eu não entrei pro audiovisual pra limitar a criação artística em vídeos extremamente curtos e repetitivos, cuja boa recepção é determinada pelo algoritmo de uma plataforma, enquanto meus colegas e eu estamos na universidade estudando Cinema, TV. Que coisa, não? Não que alguém precise estar na universidade pra ser artista. Eu estou e não sou nada. Já disse: sou estudante. Mas eu me irrito com essas coisas, eu quero um analista. Eu quero me deitar em um divã vermelho de veludo e falar por horas, enquanto um senhor anota freneticamente os meus pensamentos intrigantes. Eu me entristeço porque tudo que já era difícil está ainda pior. Eu não tenho paciência pra gente idiota que não entende nada. Eu não aguentaria 5 minutos de gente me mandando mensagens com interpretações completamente absurdas. Eu, que não faço nada disso, volta e meia me vejo na degradante situação de explicar as coisas que eu posto. Como disse uma das minhas inspirações pra esse curso ( sim, onde estava com a cabeça?), Daniel Furlan, “o pior que você pode fazer para o público é levá-lo em consideração”. Tudo que foi autêntico e revolucionário desagradou muita gente, inclusive pela falta de entendimento. A criatura que faz conteúdo pra internet trabalha para o que vai determinar o público, o algoritmo. Depois de obtê-lo, esse pobre coitado vai massificar ainda mais os seus vídeos para o seu mundinho particular de seguidores que esquecerão da sua existência logo ao surgir um mais atrativo, se você for cancelado ou simplesmente porque esse tipo de conteúdo tem prazo de validade mais curto. E eu nem estou incorporando uma pessoa insuportável que odeia a internet e que é contra tecnologias. Eu gosto, eu mantenho uma relação saudável com o ChatGPT ( eu o corrijo, ele se desculpa e me agradece) e só não usufruo mais das tecnologias existentes por mera falta de oportunidade. O que eu me pego pensando é em como tudo evolui pro preocupante. Talvez a Globo sempre se mantenha de pé, protagonista, mas compulsoriamente aliada ao que está competindo com ela. Isso se ela não conseguir eliminar o inimigo. Na verdade, sempre foi assim. A diferença é que eu não sou a Globo. Será que eu preciso virar tiktoker, podcaster, youtuber, influencer e afins? Talvez. Talvez. Meu professor de Artes e Tecnologias questionou: “como fazer arte depois de Duchamp?” E aí, como fazer arte depois do dadaísmo? Fazendo. Mas como fazer pra ser notado? Fazendo, dentro do que já foi feito, diferente. Essa é a resposta. Não existe originalidade pura. Existe criatividade, existe uma cópia menos copiada do que antes já era cópia de algo. Existe, por sorte, traços de autenticidade nas coisas. É “só” isso que precisamos fazer. Só. Se esse não é o curso mais existencialista do mundo, eu abrirei uma conta agora em todas as redes sociais a fim de unicamente expor a minha imagem e esperar reconhecimento. Tristemente, acho que perde até pra Filosofia. O aluno que optou estudar Filosofia possui caminhos mais certos do que o alucinado que decidiu querer ser artista. “Qual seu plano B?” Além de ser ofensivo, eu não vou mais responder nada porque estou farta. Eu sou meu plano B. Só é torturante não saber se isso é a solução ou o fracasso anunciado.