Um domingo que provém de um lugar situado a grande distância na memória

No domingo, depois da missa, dona Ciriaca vendia bolinho de feijão. Eu juro que a gente sentia o cheiro quando ela dobrava a esquina da nossa rua.

Mamãe já perguntava, sabendo da resposta: - alguém vai querer? – Sim! Gritávamos em coro sem ter ensaiado.

Morávamos no meio do quarteirão, até que dona Ciriaca viesse com o seu passo lento, era uma eternidade.

Ficávamos no portão esperando ela chegar.

Comíamos os bolinhos de feijão com solenidade. As nossas papilas gustatórias ficavam em festa.

A língua captava cada gosto e enviava ao cérebro, aquele gosto de quero mais.

Era assim que quebrávamos o jejum. Naquele tempo íamos para missa em jejum, para podermos comungar. A verdadeira comunhão era nesta hora. Não comungávamos o corpo e o sangue de Jesus, mas os bolinhos de feijão da dona Ciriaca.

O Almoço já era outra história.

Enquanto papai ouvia música clássica na radiola, mamãe preparava o almoço e nós brincávamos no terreiro em silêncio para não atrapalhar a música que papai ouvia.

Quando queríamos parecer adulto, também sentávamos na sala para ouvir Beethoven, Verdi, Chopin, Villa-Lobos, Bach e outros.

No almoço de domingo tinha frango. Tínhamos um galinheiro no fundo do quintal, e comíamos as galinhas que criávamos.

A macarronada com frango era o prato principal nos domingos. Mamãe fazia a massa, e cortava o macarrão no cilindro. O tempero era feito com os tomates colhidos na horta. Minhas irmãs mais velhas ajudavam na preparação do almoço.

O Suco que acompanhava as refeições era com limões colhidos no pé.

À tarde tinha as matines no cinema que havia perto de casa.

Os filmes eram antecipados por séries curtas, como “Os Perigos de Nyoka” que acabavam sempre no melhor pedaço, deixando a gente curioso e ansioso para voltar na próxima semana. E lá vinha os faroestes, os filmes do Mazzaropi e tantos outros.

No final da tarde brincávamos com os vizinhos na rua. E era, Rouba Bandeira, Bentes Altas, Chicotinho Queimado e outras.

Também brincávamos de roda, formávamos uma grande roda e cantávamos alegres até altas horas. Nas brincadeiras de roda, a menina mais bonita sussurrava canções de amor nos meus ouvidos e eu sonhava com ela se entregando nos meus braços e abraços.

José Marcos Ramos
Enviado por José Marcos Ramos em 27/03/2023
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