Olhar

Tinha uma velha mania de olhar-me no espelho. Ele capturando minha energia, me sugando para dentro. É incrível que meu olhar tenha envelhecido tanto. Não penso no meu rosto, linhas, rugas, cabelos brancos. É meu olhar, sabe? Ficou cinzento, omisso, vadio. Perdeu o viço, a forma o calor. Não sei olhar para mim, não sei olhar para as pessoas. As coisas todas fogem, o olhar é coisa que passa, o olhar não dura. A coisa existe, e logo não existe. Tudo foge. Tudo é grão, desordem e correria. Meu olhar não capta o momento, porque o momento não é do olhar, o momento é da memória. Tinha quando novo o olho colorido, pungente, cheio de veias; uma pupila imensa para gravar a pele, o sol e o sereno. Tinha a pupila diminuta para gravar o pelo, a areia, a pulga e o pernilongo. Ocorreu de ter o olhar onipresente, para olhar a dor do mundo, para ver todo o sentimento. Para ver o parto, a fome, o menino que corre, corre e não se sabe pra onde. Não sei, às vezes sinto falta dessas matizes, desses clarões clarividentes. Tenho o olhar oco, desmantelado, tão fechado da visão, tudo escuro. Nada se vê. Tenho a lembrança de já ter olhado, mas hoje o que vejo não me serve, não cabe no meu olhar.

Rodrigo Sanchez
Enviado por Rodrigo Sanchez em 22/03/2023
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