A SAUDADE VEM DE ÔNIBUS

Não sou tão velho, portanto não faz tanto tempo: numa época não muito remota, havia quatro horários diários de ônibus para Toropi e Passo do Angico. O primeiro era executado pela Empresa Bassotto (mais tarde GM Transportes) e ia até a localidade de Boca da Picada. O segundo, inicialmente pela Empresa Linha Canoa, depois pelos Transportes Biguelin e ia até a localidade que deu nome à primeira empresa, lá pros lados da cidade de Mata. Muita gente do interior utilizava essas linhas, lotando as paradas de ônibus localizadas nos antigos Bar Marchezan e Mercado do Ary Arend.

Nos domingos, havia pelo menos um horário de ônibus para cada lugar e os veículos costumavam vir entupidos de gente: muitas pessoas embarcaram nessas linhas de ônibus para irem até os balneários do Julião e do Angico. Ou para visitar a Vó Mathilde no Toropi e os vovôs Lindolfo e Lili, no Passo do Galvão, como fazia a minha família.

De São Pedro a Santa Maria e de lá pra cá, tinha ônibus de hora em hora.

Hoje, além dos efeitos da pandemia, o fato da maioria das pessoas terem carro próprio fez com que as primeiras linhas passassem a circular menos (se é que ainda circulam. E quem souber informar, pode contribuir). Para Santa Maria, os horários reduziram pela metade ou mais.

Trago no peito lembranças maravilhosas desse tempo. Apesar do relativo desconforto nos ônibus lotados (principalmente na volta), os domingos em que íamos visitar os avós eram uma festa. Voltávamos empanturrados de guloseimas e trazendo no bagageiro as frutas da estação. Sem falar dos amigos de infância que eu visitava, os bailes do hoje extinto Clube Recreativo e Esportivo Primeiro de Maio de Linha Herber...

Santa Maria era pra onde eu ia - e continuo indo, depois que descobri os sebos.

Mas as coisas mudaram. Meus avós viraram estrelinhas no céu, os amigos de infância cresceram (eu também cresci. A vida é isso: a gente nasce, cresce, fica bobo e casa e um dia vira estrelinha também). Quando vou visitar os parentes que ficaram, dependo de carona, já que até hoje não aprendi a dirigir, quanto mais comprar um carro.

Depois que voltei para São Pedro, continuo indo a Santa Maria sempre que possível pra passear um pouco e me abastecer de livros no Sebo Capitu e nas livrarias Athena e Santos, mas as opções de horários de ônibus ida e volta são poucas.

Tenho uma relação de afeto com viajar de ônibus. Essas linhas que citei e minhas viagens do tempo que morei em outros estados: primeiro de Blumenau SC a Santa Maria - RS, depois de Blumenau a Bauru - SP e de Bauru a Santa Maria - com baldeação na cidade de Curitiba, onde conheci uma das rodoviárias mais bonitas do país (apesar da quantidade enorme de escadas para subir e descer. Vai gostar de escada assim lá...em Curitiba!)

Com certeza o mundo deve evoluir, todas as famílias deveriam ter direito e condições de dirigir ou adquirir um carro. Mas viajar de ônibus tem um sabor diferente, apesar do cansaço: a paisagem vista da janela. As paradas para o lanche. Dormir mal alojado, mas embalado pelo ronronar do motor do ônibus. Ou visitar os avós, no tempo em que a gente ainda fazia isso de ônibus.

E se tivermos o privilégio de viajar em boa companhia, a experiência é muito mais gostosa.

Portanto, para alguns saudavelmente nostálgicos como eu, a saudade muitas vezes vem de ônibus. Ainda que com horários reduzidos.