Todos seremos Dorothy um dia

Quando ele vem, eu me sinto uma estranha na minha própria casa. Permanecer na sala me parece uma profanação. Nunca fui uma criança ou adolescente que utilizava o quarto como esconderijo, mas agora estou experimentando. Com “agora”, quero dizer exatamente neste momento. E só. Porque o meu lugar para me esconder é em mim mesma, na minha mente e nessas palavras que eu ouso escrever.

Dizem que tem dia que em nosso peito chove uma tempestade. Em outros, raia o sol. Em mim geralmente ocorre o casamento da raposa, como dizia meu bisavô, chove enquanto faz sol. Hoje, especialmente, não presenciei casamento algum. Só sou de lamentos, de retalhos, sou completa de vazios dentro dessa infinitude que é saber pensar. Se é que sabemos. Pensamos infinito, somos mortais. Que paradoxo. Como eu odeio lembrar que a morte existe. Porque dela ninguém escapa, nem mesmo quem eu amo tanto. Que pensamento pequeno, egoísta, ingênuo. E daí que eu amo alguém, não é mesmo? Se é que eu sei amar. Eu espero que eu saiba. Eu espero que essa dor que eu sinto seja amor. Não me importaria com a minha morte se tivesse a garantia do fim. Acabou. Sem sofrimento, sem consciência, sem alma. Simplesmente desaparecer. Mas a minha mãe espírita me faz pensar que o fim não existe. Que raiva. Que vontade de ser um beija-flor que vejo na casa de minha bisavó, Júlia, tão lindinho ali na sua função. Parte da natureza e pronto. Eu sou parte da natureza, mas não tenho um ponto final, uma função única para enfim morrer. Não tenho. Não temos. Que vontade de ser qualquer coisa. Um maracujá do quintal dela. Um fruto fatal, eu diria. Está quebrando todas as telhas, melhor do que cabeças. Mas se um maracujá caísse na minha cabeça eu não morreria, de que adianta cair? Pra contar história. Eu sei. Eu sei também que pessoas como eu sofrem mais. São mais tristes. E algumas soam poéticas, o que é bonito de se ver. Ou ler. Até acontecer alguma tragédia, como é de costume. Claro que não estou fazendo comparações, de fato. Sei que esse fardo eu carrego sozinha. Mas em busca de transformá-lo em sonho. Eu sou só sonhos também. Não apenas lamentos. Sou muitas. E mesmo assim tenho a pouca vergonha de, quase sempre, me perguntar:” e quem sou eu?”. Digo que ainda estou me decidindo.

Ando cheia de insignificâncias na mente. Queria ter borboletas no estômago. Sair pra encontrar alguém e pensar que estou apaixonada. Mas não. O tanto que nego, não sei dar desculpas. São irmãos, primos, amigos. É difícil. Mas se eu não recebesse convites, diria que é difícil também. Tudo é ruim. A gente que tenta melhorar. Acho que isso é a vida.

Sobre o amor. Ah, sobre o amor…

Eu não sei o que fazer com ele. Espero que ele faça comigo. Meu corpo é livre, só precisa arrombar a porta do cérebro pro recado ser dado. Depois, espero finalmente poder dizer que eu tenho a impressão de que não estamos mais no Kansas, como Dorothy fala pro seu Toto. De quebra, espero ter perdido o meu medo de cachorro até lá para poder ser mais fiel ao clássico. Ou talvez eu conte numa crônica mesmo. Pra ser mais fiel a mim.