O CARA QUE CAMINHOU PELO AR

A história é assim meio nebulosa, até inacreditável, mas revela pontos em comum entre as narrativas dos que a testemunharam e a do próprio envolvido. Pelo menos, conforme os depoimentos colhidos por este dedicado repórter do dia-a-dia.

Tudo se passou em Brasília, próximo do Pontão, pouco antes dos antipáticos (como sempre) controles de velocidade ali fixados.

Segundo as testemunhas, bom número de veículos convergia para a ponte logo adiante, o que obrigava o tráfego a circular em ritmo ainda bem mais lento do que o limite local de 50 km por hora.

O motorista que aparentemente viu a cena em primeiro lugar freou seu automóvel de maneira algo brusca. Para sua sorte, o carro logo atrás e outro, que pretendia mudar de pista, também se contiveram sem gerar acidente.

O condutor nem pôde crer quando percebeu o indivíduo a caminhar à frente de seu veículo, como se houvesse entrado na fila de viaturas feito máquina.

Segundo o motorista que vinha atrás e conseguiu frear a tempo, não deu para saber de imediato o que fizera seu predecessor parar. Só a seguir é que notou um cara a saltar da frente do primeiro auto de volta para a calçada.

Já o terceiro chofer prontamente notou o cidadão adiante do primeiro veículo, caminhando não como se estivesse a tentar atravessar a pista, mas como se tencionasse acompanhar o fluxo do trânsito. Se fosse ciclista ou motoqueiro, até faria sentido. “Mas um pedestre?”, exclamou no maior espanto.

Outros entrevistados não chegaram a dar-se conta desse início da trama. Só contemplaram a surpreendente sequência, daqui a pouco narrada. Alguns deles nada observaram, ficando completamente por fora do estranho ocorrido.

Para não prolongar o suspense, não é que, após dar o salto (lépido e fagueiro?) que o levou de volta à calçada, o cara começou a elevar-se e a caminhar pelo ar, indiferente às leis da Natureza e à estupefação e ao assombro que semelhante ato seria capaz de causar?

Os que conduziam seus veículos e presenciaram o fenômeno expressaram dúvidas se haviam sido vítimas de alucinação coletiva ou de algum golpe publicitário que vivem aprontando para cima da mortal sociedade.

Não obstante a pertinência da hipótese, publicidade de quê? Para que fins? A pergunta ficou no ar, a exemplo daquele indivíduo, desconhecido de todos, mas com o aspecto tranquilo de quem se encontrasse em domínio familiar ou no clube.

A caminhada aérea não foi longa, em todo caso. O tipo parecia dirigir-se à ponte, mas logo refez seu itinerário flutuante e foi parar próximo a um restaurante dentro do Pontão.

Segundo seu depoimento, que este repórter teve de correr para registrar diretamente, o cidadão, de estimados quarenta anos (negou-se a revelar nome e demais dados pessoais, o que se pode compreender), costuma caminhar nas proximidades. Em geral, conclui seus passeios em algum restaurante, para a natural revitalização, com chopes e petiscos.

Não confirmou, nem desmentiu sua rota pelo ar. Somente andara em seu ritmo habitual, de acordo com ele. Admitiu, porém, com ar sorridente, que deveria ser um barato caso as pessoas normais pudessem flutuar assim, curtir o espaço e o ambiente de modo mais amplo, aberto e desobstruído.

Malgrado o esforço realizado para extrair resultados mais conclusivos acerca do singular ocorrido, permanecem muitas questões. Tratou-se de fato verídico? A mania de buscar a veracidade inconteste das ocorrências às vezes prejudica o exame e a avaliação dos múltiplos elementos inerentes à situação.

O peregrino aéreo poderia haver estendido seu passeio ao invés de interrompê-lo para satisfazer necessidade material? Se o houvesse feito, teria sinalizado a outros seres humanos a possibilidade de alçar voo à procura de novas experiências, prazeres e do próprio eu?

Após reavaliar os depoimentos e as diversas questões suscitadas, o repórter teve de contentar-se em continuar a observação dos inusitados movimentos dos seres humanos e de seus veículos, na expectativa de novos indícios que tragam luz ao caso.

Outubro 2022.