ERA POMBALINA

Todo dia pela manhã, Ele caminhava ao redor de sua casa para ver os estragos que as “amáveis” aves faziam em seu quintal, quintal este revestido de piso antiderrapante. Meio florido numa cor clara, onde qualquer que fosse a sujeirinha se fazia notar e justamente este tom que ele escolhera com tanta vontade para ornamentar o seu quintal estava tirando-o do sério.

Ao final do serviço de colocação dos pisos, ele ficava admirando a beleza que ficara o seu quintal com certo orgulho, isto mesmo, orgulho de ter escolhido o material que mais combinava com os seus propósitos. Pensava para si, revestindo o meu quintal não me preocuparei mais com a sujeira, é só dar uma varrida, uma mangueirada de água que tudo volta a brilhar como antes. E assim Ele foi levando a sua vida trabalhando, passeando, contando estórias e histórias para quem se dispusesse a ouvir.

Num determinado tempo, assim posso me expressar, Ele se vê numa nova era, apesar de alguns gurus, esotéricos, estudiosos inclusive religiosos afirmarem de que estamos na Nova Era, a de Aquário, que por coincidência é um aquariano convicto, Ele se sente na era pombalina. Já explico o porquê.

Tempos atrás vieram visitá-lo um bando de “inofensivas” aves, conhecidas por alguns como ratos voadores, pois segundo dizem, se equivalem a ratos pelo malefício que produzem, por outro lado não entendo como elas se fazem presentes no mastro da bandeira do Divino representando a paz. Mas que paz é esta, se para Ele a presença delas é um verdadeiro inferno que consome a sua paz de espírito? Ele tem tentado de todas as maneiras fazer com que estes animaizinhos se afastem de sua humilde casa, mas está quase convencido de que será vencido pela teimosia destes voadores.

Num passado recente, Ele resolveu colocar telas para evitar que eles se acomodassem em seu telhado, deu certo por um determinado período. Os bichinhos espetacularmente sumiram de sua residência para sua alegria. Não soltou fogos por não concordar com esta prática, mas que deu vontade, deu. Vivia num paraíso, era só sorriso. Quando alguém perguntava pelos bichinhos, dizia – graças à Deus foram embora. E assim foi vivendo a sua alegria, até que...

Numa manhã ensolarada, caminhando no quintal percebe algumas marcas que não lhe eram estranhas. Pensou, pensou – será que eles voltaram e não percebi, questionava Ele. Resolveu ficar de plantão naquele dia e eis que num rabo de olho percebe seu possante Renault Clio vermelho tal qual uma Ferrari com algumas manchas que mais pareciam gotas de nata ou algo semelhante em seu capô e parte do teto. Ele quase foi a loucura. Qualquer palavrão que o leitor possa imaginar, tenha certeza, foi verbalizado com esmero, cadenciado e até rimado. Os vizinhos nada entenderam, mas quem o acompanhava naquele momento de desatino, com certeza sabia o que estava acontecendo.

Tivera algumas noites de insônia, mas sempre havia alguém ao seu lado procurando convencê-lo de que não adiantava espernear. Quem sabe os bichinhos criaram amor pela tua pessoa, afinal tu tens um coração meio franciscano, diziam parentes e amigos com o intuito de amenizar a situação, que por nada sai do controle. Com estes “conselhos”, Ele tenta se aprumar procurando esquecer os “bichinhos”, mas no fundo, no fundo não consegue esquecê-los totalmente.

Certo dia, Ele contrata um pintor para dar uma repaginada na sua casa e neste contrato consta a limpeza total do local onde os “ratos voadores” se acomodavam. Retirou as velhas telas que não surtiam mais efeito. Fechou espaços entre os caibros onde eles costumavam empoleirar e com isto “pintavam” o piso do quintal em seus momentos de defecação. É claro que era um paliativo, mas tinha de fé que sanaria os seus problemas. Sentia-se feliz a cada dia que olhava para o alto e via a realidade se transformando.

Quando os trabalhos estavam em seus momentos finais, um “caridoso” vizinho o aconselhou a colocar imagens de coruja no telhado, pois segundo ele, a coruja é um grande predador destas aves e colocando-as no alto forçaria a debandada deles, pois esta prática resolveu o mesmo problema que acontecia na sua casa. Meio desconfiado da conversa que estava mais para um migué do que real, Ele vai tomar conselho com o doutor Google e este além de confirmar a história acrescenta mais um predador, o gavião. Convencido dos argumentos, desliga o computador e sai a procurar imagens de coruja e gavião, pois ali estava a solução.

Após comprar algumas peças aproveita a estadia do pintor solicitando que o colocasse nos lugares pré-selecionados. De tanta emoção e certeza de que resolveria os seus problemas, achou por melhor fazer alguns “cálculos” juntamente com o pintor para escolher o local estratégico a fim de realizar esta “fraude” com os “inocentes” bicudinhos. E lá colocaram as carrancas de corujas e gaviões com o intuito de espantá-los. Creio que surgiu efeito, pois a princípio a quantidade dos voadores baixaram, no entanto, num local específico surge vez ou outra uma manchinha nada agradável. Seria um efeito placebo, ou esta era pombalina vai se perpetuar? Se alguém tiver uma solução mágica, Ele aceita de bom grado, pois para um aquariano exigente que deseja os pingos nos is, torna-se quase impossível conviver com esta situação. São Francisco que me desculpe, mas porque estes ratos voadores se poderiam somente ser uns simples bem-te-vis, papagaios, araras...

Valmir Vilmar de Sousa (Vevê) 29/12/22

valmir de sousa
Enviado por valmir de sousa em 30/12/2022
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