Hoje o dia amanheceu sem Graça

Ontem eu entendi que não tem jeito para mim, meu caminho é certo mesmo nas horas incertas. Não tem para onde correr, o meu caminho é que me persegue.

Eu era boa em biologia e isso animou meu pai. Eu nunca gostei de médico, por que me tornaria uma? Gente precisa, além de educação e saúde, de arte e cultura. E se a arte educa e a cultura alimenta, a junção das duas só pode ser a cura.

A arte salva, a poesia salva. A prova disso é que sim, Adorno, houve poesia depois de Auschwitz. Durante, antes. E depois, porque o depois sempre existirá. Enquanto houver poesia, o amanhã é sempre certo.

Devo dizer que hoje o dia amanheceu sem Graça. Já estava mal de ontem, doente de cansaço, sonhando com uma pessoa que não converso mais e com um menino que ria de tudo que eu falava. Equilíbrio. Ele ria das minhas graças. Como eu gosto disso. E como eu gosto do nome “graça”, gosto de graça. Gosto de Maria da Graça. E hoje o dia amanheceu sem ela.

Sem a menina baiana irmã de Gil, sem a “Baby” de Caetano. Sem a doce bárbaro amiga de Bethânia. Sem a mulher fatal de Salvador, sem Gal Costa.

Meu Deus. A finitude assusta. A finitude de quem é sublime. Gal-Fatal também era gente. Era viva. E permanece. A morte apavora, mas não deveria. Só há vida porque há a certeza da morte.

Se eu fosse Caetano, também inscreveria minhas palavras na voz de uma mulher sagrada. Não era uma cantora, uma intérprete. Era sua própria musa, a artista de si mesma, a dona do palco. Da cabeleira negra, do batom vermelho, da afinação, do violão polêmico nas pernas desnudas, da essência tropicalista. A dona de seu nome. Todos os grandes acontecimentos da música brasileira escreveram para Gal cantar. A voz que sustentou o Brasil durante o exílio de Caetano e Gil. A voz que presenciou as vitórias do povo brasileiro, inclusive a de agora. Podemos, enfim, chorar em paz.

Hoje fui à faculdade como quem vai a um enterro: de cara lavada e óculos escuros. Chorei como se a conhecesse. Minha conterrânea. Pensei em Caetano, em Gil. Em seu filho. Em como eu quero viver em paz. Na melhor cidade da América do Sul. Eu preciso. Eu cantaria “Baby” pra você ouvir. Mas só se meu nome fosse Gal. Como não sou, me resta escrever.