Tudo que é ruim de passar é bom de contar

Estou terrivelmente doente, sozinha e ainda com o péssimo hábito de escrever de madrugada. Por “terrivelmente doente” entendam que estou relativamente doente, mas muito mal. Abalada. Abaladíssima. E sozinha. Já falei, mas reitero. “É que eu adoro uma peninha”, já dizia o icônico ( e azarado) Chris. O carinha que mora logo ali.

Quem não gosta de um cuidadozinho certamente nunca ouviu “Sozinho” num bar aleatório e pensou, como há de ser pensado, que essa é de matar. De lascar. De arrombar. De destruir o que já está destruído. É, pois é. Falando assim até parece que eu ouço muito. Não ouço. Não busco ouvi-la. Quando toca, eu escuto. Esse é o problema: é sempre uma afiada surpresa. Mas isso já faz muito tempo.

Quero dizer que é completamente aceitável que eu, na condição em que vivo, seja ainda mais tola do que sou normalmente. “Mas não diga isso de você, querida Anita”. Vocês pensam ( eu suponho e espero). Digo e direi. Porque eu continuo sendo a mesma. Por pouco tempo, meus caros, pouquíssimo tempo. Eu mudarei. Nem que seja de endereço, cabelo ou marca do remédio para dor de cabeça, mas eu mudarei.

Acho engraçado que de longe as melhores piadas sobre universitários são aquelas que sacaneiam os estudantes de medicina e Direito. E Odonto, vai. Percebam que cometi um pecado: meu hobby favorito. Oh! Pior do que escrever “Deus” com “d” minúsculo é escrever “medicina”. Sim, sem o “M” maiúsculo. Eu juro que teria estudante batendo na minha porta para contestar, caso alguém soubesse meu paradeiro.

Os estudantes de Direito também são bastante odiados, mas relaxem … o ódio é democrático. Viva! Claro que, tirando quase todos, deve ter alguém que não seja um playboyzinho que se acha o suprassumo da inteligência.

Eu nunca quis me enveredar por essas áreas, quer dizer, no sentido de fazer algum desses cursos. Claro que não. Apesar de ter sido monitora de Biologia ( sim, eu vou levar essa informação para o meu túmulo) no ensino médio e de ter vencido os debates da escola ( o que não parece grande coisa, mas vamos supor que tenha sido extremamente importante). Eu queria ser juíza só pelo poder. Queria ser modelo fotográfica. Queria trabalhar na feira. Queria ser professora universitária. Queria ser estilista. Queria ser apresentadora de televisão. Queria ser engenheira ( mentira ). Queria ser prefeita, mas de uma cidade inventada por mim. Queria ser dançarina. Queria ser cantora. Queria ser artista. Queria ser atriz. Sendo atriz, eu poderia fazer tudo isso. Olha que criança esperta eu era. Pena que não me exploraram devidamente. Hoje eu poderia ser uma ex-atriz mirim frustrada e viciada em alguma droga. Sou frustrada de graça e viciada em Eno. Patético.

Mas meu padrinho me dizia que olhava pra mim e via um futuro brilhante. Se ele disse, tá certo. Afinal, “quando alguém elogia muito a gente, essa pessoa só pode estar falando a verdade”. Belíssimo pensamento da minha criança fictícia favorita: irmão do Jorel. Vou esperar. Que o brilho não seja da lanterna desse celular para que eu escreva essas palavras.

Voltando. Eu dizia que estava doente e sozinha. Pois bem. Vocês, meu queridos leitores, acreditam que por 48h eu acreditei que o amor fosse possível? Bati o recorde mundial, certeza.

Esses dias ( lembrando que “esses dias” pode significar semana passada ou há 8 anos), estava eu no ônibus da minha universidade. No ônibus errado. Sim. Acontece. Triste, cansada ( mas sentada, o que é importante), estava lá eu contemplando o glorioso nada. Um rapaz, dentre mais uns outros 100, estava em pé do meu lado. Eu, gentilmente, perguntei ao jovem estudante se ele queria que eu – uma nobre mocinha do campo – segurasse a sua mochila. Não, eu não estava com segundas intenções. Me respeitem. Ninguém dentro de um ônibus lembra que há vida lá fora. É uma pergunta que todos fazem, muito educadamente, e eu apenas reproduzo a cultura local. Como boa cidadã que sou.

Ele disse que não, que não precisava. Mas acabou cedendo. Corta para a cena desse rapaz explicitamente indignado com a vida. Eu estava no meio de uma discussão. Ele de um lado, eu, um outro rapaz sentado ao meu lado. Eles estavam conversando e eu, aparentemente, atrapalhando o fluxo. Ele sabiamente estava defendendo o SUS, xingando uma professora possivelmente elitista e dando a entender certas verdades sobre os eleitores do inominável. Automaticamente eu mudaria as minhas configurações para " interesse detectado", afinal, consciência de classe é equiparável a uma barba bonita, em termos de atração. Ele não tinha barba. Se eu não estivesse tão revoltada por estar no ônibus errado, teria prestado mais atenção para poder endossar o seu discurso. Mas só acenava com a cabeça para ambos, num gesto que dizia “ eu estou aqui, mas nem tanto”.

Resumindo ( sim, eu consigo). Depois de uma brevíssima semana de interação e de acertados elogios sobre a minha arcada dentária ( adivinhem o curso do cidadão), estava lá eu com o cara de nome mais peculiar do meu ínfimo histórico. E olha que eu já fiquei com uns caras que, se fosse pra namorar, eu jamais chamaria pelo nome. Eu teria vergonha de falar e errar. Ou de falar e rir. Provavelmente eu riria, ele compraria uma briga e sabe-se lá o que mais. Ou seja: caos. O pior é que não teria como revidar, meu nome é – para mim – perfeito. Não disse a dona, só o nome mesmo. É bonito, brasileiro e polêmico. Tudo que eu gosto. Bonito porque eu acho. Brasileiro porque tem “Maria”. E polêmico porque é em homenagem a uma senhora comunista. Fica aí o duplo sentido.

E foi pelo meu nome que ele começou a me elogiar. Daí só ladeira abaixo, literalmente. O flerte pós-moderno começa assim: defende o SUS, xinga Bolsonaro, elogia meus dentes e acaba me deixando a ver navios. Que absurdo, não acham? Mas tudo bem, tudo bem. Sem ressentimentos. Eu exagerei, mas eu juro pra vocês que ele criou o cenário ideal para que minha cabeça acreditasse, ou melhor, cogitasse alguma coisa. Tudo isso em pouquíssimo tempo. Tão pouco tempo que eu já vivi, já resolvi e já encaminhei para o esquecimento. Exceto a lembrancinha que vale a pena.

Agora preciso falar da minha deprimente condição. Ah, mas antes de esquecer completamente, vou trazer aqui uma informação para revoltá-los (assim espero). Eu disse para o dito cujo o seguinte: “Oh! Não posso acreditar… acho que irei adoecer! E agora, o que faço?”. Claro que não assim parecendo uma personagem de algum romance do século XIX. Mas disse. E ele respondeu: “Aguenta firme”. Sim. Ele poderia lançar a maior cantada da história, se fazendo de Chapolin Colorado, mas não, ele preferiu me sugerir aguentar firme. Eu passei de sujeito de frases como “Meu Deus, você é perfeita” ou “Eu amei te conhecer, você é muito linda” para alguém doente que ouve de um estudante da área da saúde as sábias e curadoras palavras “aguenta firme”. E não foi nem um “Aguente firme!”, que demonstraria um empenho em escrever corretamente a frase. Eu acho que adoeci de raiva. Brincadeira, adoeci de verdade e sigo doente. Espero que ninguém mais me fale para aguentar firme. Eu venho aguentando firme a minha vida inteira. Custava ele no mínimo me receitar uns negocinhos? Brincadeira, não pode. Pessoalmente foi preciso parar aquele homem, caros leitores, que estava completamente alucinado, estupefato e radiante com a minha presença. Nas palavras dele. E por mensagem parecia até que eu era a professora que ele detestava. Que bom que ele tem uma ex para superar! (Detalhe que eu fiquei sabendo depois).

Como isso foi um acontecimento recente na minha vida, não teve jeito, acabou saindo parcialmente em um roteiro que escrevi para um trabalho. Você, advogado amigo, não se sinta ofendido pelo que eu disse acima. Eu adoro o seu curso. Só não adoro os estudantes. Sobretudo os advogados. Mas não se estresse, eu também queria ser uma. Aos 12 anos.

Ah, por favor, não acreditem nisso. Ninguém vai me processar até que eu seja famosa. E sobre o roteiro, certamente não seria esse. Se eu fosse ele, eu ficaria honrada por ter sido inspiração de uma nova categoria dos meus textos: desgraça e humor. Até soa contraditório. “Des” indica um sentido contrário, ou seja, “sem graça”. Além de contraditório, seria paradoxal. Enfim. Péssima junção de palavras para uma apreciadora da língua portuguesa.