A história do viajante desolado

Estes dias, observei um homem de meia idade, carregando uma mala enorme, bonita, polida, de marca nobre.

A mala, em si, não me chamou tanto a atenção, mas a postura do cidadão: pensativo, vagueando em pensamentos, documentos caindo de forma desastrosa, meio perdidão, solitário, bem vestido, pouco perfumado, fixado em um smartphone de ponta, mala enorme e super cheia, cabelo desalinhado e por fazer, barba suja e por aparar, unhas desleixadas, reflexivo demais.

Não conseguindo conter-me, perguntei se precisava de ajuda para carregar a mala, pois as rodinhas pediam clemência.

Na verdade, eu queria saber um pouco mais daquele ser tão sozinho, reflexivo, perdido em pensamentos, quase que "casado com um smartphone" e, solitário, portava uma mala enorme num aeroporto da cidade.

A ajuda fora rejeitada, educadamente.

Insisti...

Eu sabia que algo aquela criatura teria a me ensinar, pois, só de observar, já decifrei algumas coisas, mas prosseguir em minhas percepções se fazia necessário.

Ora, eu precisava crescer, e aquela ‘figura’ muito tinha a me acrescentar, se abrisse a boca e confessasse suas dores existenciais.

- O senhor está cansado. Quer que eu adquira um copo de água fria? Recife está fazendo um calor enorme!

- Você compraria um copo, por favor?

- Óbvio. Com prazer! Aguarde, é aqui bem pertinho. Fique observando meus passos.

- Obrigada, senhora!

- Não há de quê!

- Por favor, não tenha-me por curiosa ou invasiva, mas percebi seu esforço em carregar uma mala tão pesada. Fará uma viagem demorada ou definitiva?

Ah, percebi seu semblante pesaroso. Posso ajudar de alguma forma? Aconteceu algo desagradável em sua vida nos últimos tempos, cidadão?

O CONTEÚDO DA MALA

- Nada me aconteceu, madame! Apenas decidi viajar sozinho, esfriar a cabeça, trabalhei demais, corri muito, estou enfermo, tenho muitos exames a fazer quando retornar e decidi repensar meu futuro numa praia distante e que aprecio.

- Não irei com a família, mas sozinho. Preciso repensar a vida...

Os olhos daquela criatura brilharam e quase lacrimejaram diante de uma estranha, as mãos estavam trêmulas, o smart prestes a cair e se espatifar no chão (e era uma boa opção, ao meu sentir).

Insisti.

- E o por quê de levar tanta coisa consigo, moço? Que mala enorme é esta?

- Levo fotos da juventude, fotos dos meus amigos que hoje estão distantes ou já morreram, comidas que aprecio e terei dificuldade de encontrar no destino escolhido, roupas que talvez, sequer irei usá-las, documentos que pretendo ler, livros que comprei e nunca li, uma cachaça nordestina e muita vontade de pensar na vida. Estou doente. Não sei o que me aguarda!

Conversamos mais algumas coisas, falei da necessidade de viver o hoje, da vantagem de aliviar a bagagem, de viver um dia de cada vez, de não fugir dos embates, da efemeridade da vida. Sequer forneci meu nome e sumi...

E O APRENDIZADO?

Emotiva com a fuga do viajando que, ao meu sentir, não surtirá efeitos, pensei:

- Veja aí, Fátima... Fique atenta ao próximo e jamais deixe de ter compaixão e sentir os sinais do seu semelhante, mesmo que seja um desconhecido...

É que você pode até não estar bem, mas sempre haverá alguém pior que você!

Aprendi que estar momentaneamente mal, não é um atestado de falência múltipla de sonhos!

A VIDA NÃO ME SORRIU, MAS EU SORRI PARA ELA...

Recordei que numa conversa trivial com uma colega, disse, recentemente:

- Rapaz, sou feliz pra caramba (o desejo interior, era proferir aquele palavrão (cara#@#). A vida nunca me sorriu, mas eu sorri para ela!

- Nunca me vitimizei, mas, desde a juventude, arregassei as mangas e mandei ver!

- Sabe mais, flor? A esta altura do campeonato, o que vier, e se vier, é crédito!

- Miga, estou vivendo, amando, curtindo, relaxando, trabalhando sempre, estudando sempre, estendendo a mão e emprestando sempre os ouvidos ao meu semelhante. E isto basta para mim!

E A SUA MALA? O QUE CARREGA?

Voltando para a história da enorme mala do viajante desolado; a minha, diferentemente da dele, é leve, suave, essencial, básica, e costumo ler, no conforto do meu lar, todos os livros que adquiro!

Ah, também não é interessante fugir de problemas, escondendo-me atrás de um frio smartphone...

Mas aí eu teria que escrever outra filosofia...Hehehehehe

Em síntese:

Não recomendo ninguém ir chorar, digamos, na Europa, em Londres, em New York, na Disney, na Alemanha.

Chore por aqui mesmo, se preciso for...

Só não perca a oportunidade de, pós aprendizado, refeito, continuar a perseguir a felicidade, enfrentar suas feras, dominá-las e triunfar nesta curta viagem terrena.

E.T.???

Seria a Advogada metida a filósofa, habitante de outra dimensão, ou esta criatura existe mesmo?

Custa nada questionar:

- E aí, caro leitor? Bateu uma vontade de beliscar-me?

By Fátima Burégio