Eu moro na Rua da Saudade

Eu não desligo o ventilador porque preciso de um som que não seja o do meu pensamento. Minha companhia, esse ventilador empoeirado. Eu limpo, não dura muito.

Eu me desculpo pela conta de energia, se um dia eu extrapolar, mas se isso fosse um julgamento eu poderia apelar ao júri que não é fácil morar em silêncio. No silêncio. Com ele, sobre, sob. Com ele atravessado na garganta, saindo pelo cérebro. Não quero ouvir minhas vozes internas, aquelas que não se calam diante dos meus possíveis erros. E eu sou errante. Tenho a condição humana que não se orgulha, mas não cede. E se mata por dentro, afoga por entre os órgãos o constante pensamento de que o tempo não vai me esperar perdoar alguém ou me aceitar por inteira para começar a enfim viver.

Eu quase deixei de usar um perfume meu porque um dia, apenas um dia, minha mãe usou esse perfume - depois que eu implorei - porque o dela me enjoava. Eu odeio, eu já tive um kit completo dele. Odeio. O creme se misturava com outro cheiro, não tem como não lembrar. Mas não conto o porquê. E então o meu perfume, que eu definitivamente não odeio, passou a ser o dela. Aquele cheiro não é meu. Nem pude usar que chorei na parada de ônibus. Mas isso já tem um tempo. Hoje eu só choraria na parada se me espatifasse no chão tentando alcançar o ônibus. Ainda não aconteceu. Mas se um dia surgir a notícia de uma jovem estudante que supostamente “desmaiou” ao tentar alcançar o ônibus, fui eu ardilosamente fingindo para que a humilhação fosse menor. Isso não vai acontecer, eu corro bem. De mim e pelas ruas que ando.