FELIZES PARA SEMPRE

Leio nos jornais que Alain Delon, ator francês, galã de muitos filmes do século passado, quer morrer, embora não sofra nenhuma doença terminal. Octogenário, não vê mais motivos para continuar de pé e, por isso, teria incumbido o filho de providenciar sua eutanásia na Suíça, onde o procedimento é permitido.

Embora respeite a decisão, dentro do seu livre-arbítrio, ela me faz relembrar outro episódio em que os protagonistas, também idosos, vislumbraram um horizonte totalmente oposto. Apostaram na vida, no amor, mesmo residindo numa casa de repouso.

Estou falando de quatro noivos apaixonados. Dois casamentos. Uma cerimônia só. Linda. Tudo transcorreu às mil maravilhas, de acordo com o figurino. Os padrinhos, as testemunhas, os votos e o buquê de flores. Enfim, depois de um breve namoro, a felicidade também se hospedou no Lar Maria Clara, em Contagem-MG, onde os noivos residiam há muitos anos, com outros 60 idosos que já não encontravam mais abrigo no seio das próprias famílias. Cadeirantes, os quatro foram conduzidos ao altar improvisado, onde disseram o “sim”, radiantes de emoção.

Neide, Rodrigo, Antônia e Geraldo. A mais nova com 68 anos. O mais velho com 84. Agora, felizes para sempre. “Todo dia eu me apaixono por ela”, declarou o octogenário Rodrigo, com os olhos postos na amada. E ela, toda derretida: “Ele é meu homem, meu amor e minha vida”.

Por que não? Quem decretou, no céu ou na terra, que o amor tem idade? Que o beijo, o mais sensual dos beijos, foi autorizado pelos deuses somente para os jovens com a carne em flor e o desejo em ebulição? Em que lei, em que artigo da Constituição está escrito que a cadeira de rodas constitui uma excludente de felicidade na união de dois corações apaixonados?

Perguntem aos poetas e eles responderão, com Mário Quintana: “O amor é quando a gente mora um no outro”. Portanto, se já moram um no outro, longe de suas respectivas famílias, tornaram-se uma só carne e um só corpo, para além das convenções, a lembrar Camões: “Para tão longo amor, tão curta a vida”. Mesmo sem o arroubo da juventude, certamente descobrirão um no outro inexploradas “zonas erógenas” que fariam corar seus netos.

Não vão passar a lua de mel em Roma ou Paris, é claro, mas no mesmo Lar Maria Clara, que os acolheu. Deixemo-los em paz, portanto. Os pombinhos querem privacidade e já foram vacinados contra a Covid. Não há mais perigo de contágio. Daqui para frente só serão contaminados pelo amor. Pelo mais puro e desinteressado amor. Até que a morte os separe.

E, quem sabe, mirando-se nesse exemplo, o velho ator francês consiga reverter sua decisão, convencido, junto com Fernando Pessoa, de que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”?

(Crônica menção honrosa no 20º. Prêmio Literário Paulo Setúbal)

Pereirinha
Enviado por Pereirinha em 20/08/2022
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