Por muito pouco

POR MUITO POUCO

(Samuel da Mata)

Assim que entrei no táxi o pavor invadiu-me a alma.

O motorista perguntou:

- Para onde?

- Sinceramente, não sei!

Ele parou o carro e me olhou aborrecido, mas viu nos meus olhos um imenso vazio de quem saltou de paraquedas.

- Então é melhor o Senhor descer.

Eu não disse nada. Me agarrei ao banco do carro com um desespero imenso de quem foge da morte. Não sabia em que cidade estava. Tentava inutilmente achar uma referência, mas as coisas não se encaixavam. Misturava os endereços e telefones entre o tempo e as cidades em que já vivi ou fui a passeio. Nada batia com nada.

Quando perguntou-me sobre meus filhos, só me lembrei deles no jardim de infância, que era em outra cidade e que há décadas deixou de existir.

Sem alternativas, o taxista levou-me para delegacia. Foi quando eu acordei suado antes do inicio da entrevista com a delegada que já me olhava com um certo ar de piedade.

Às vezes eu escapo de louco por muito pouco.

Samuel da Mata
Enviado por Samuel da Mata em 20/06/2022
Reeditado em 28/07/2022
Código do texto: T7542052
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