O maestro da terceira divisão

O submundo do futebol tem seu compositor. Chama-se Carlos Santorelli, autor de hinos de 142 clubes do país, todos da segunda, terceira ou quarta prateleira, como se diz no jargão do jogo. Alguns tão desconhecidos que até a chamada crônica esportiva ignora. Por exemplo, quem na Paraíba sabe da existência da equipe do Igaracy? E o valoroso Sabugy? Pois saibam que esses times tiveram a honra de serem glorificados pelo maestro Carlos Santorelli. Além desses, Carlos fez homenagens musicais para o Treze, Campinense, Botafogo da Paraíba, Nacional de Patos, Desportiva Guarabira, Auto Esporte de João Pessoa, Santa Cruz de Santa Rita, o dinossauro de Sousa, Esporte de Patos, Serrano, Trovão, Atalaia, Vila Branca de Solânea, Perilima, Santos de Tererê, Cuité, Confiança de Sapé, Femar, Desportiva Picuiense, Spartax de João Pessoa, Ouro Velho, União de João Pessoa e o extinto Vila Nova de Itabaiana, terra natal do maestro Carlos Santorelli. Sim, porque a imprensa nacional deu espaço na semana passada ao músico paraibano, onde se informava que ele nasceu em São Paulo, lugar de sua moradia atualmente, mas Carlos é meu conterrâneo. Consta no meu livro “Artistas de Itabaiana”, lançado em 1998. O caso do compositor que tem mania de agraciar equipes de futebol das divisões inferiores, e até sem nenhuma divisão, mereceu destaque até na rede Globo, no Esporte Espetacular. “Clube grande quase sempre já tem hino tradicional, portanto, gosto de compor preferencialmente para times de menor potencial econômico e sem grande expressão, e o faço para ajudá-los a aparecer no cenário nacional”, conta Carlos.

O time de Ouro Velho, na Paraíba, já contava com seu hino oficial. A canção que Carlos Santorelli compôs para o clube virou objeto de ostentação da torcida. Adotaram a composição como hino, desbancando o cântico oficial. A Globo parou de tocar o hino dos clubes na cobertura dos gols nos jogos do Campeonato Brasileiro. No lugar, uma música padrão passou a ser reproduzida. Uma pena, porque a torcida do Ouro Velho Futebol Clube não escutará o belo hino alternativo do clube em escala nacional, quando aquela aguerrida esquadra chegar à primeira divisão.

Aqui pra nós, confesso que não costumo derreter o coração ouvindo hinos, seja de quem for, antes de partida de futebol. Para mim, alude a um certo nacionalismo, intensificação dos valores ditos nacionais que o mais das vezes descamba para o fascismo puro e simples. O nacionalismo tem culpabilidade direta e indireta pelas grandes atrocidades dos últimos séculos. Em países e tempos distintos, o entusiasmo nacionalista levou a uma situação de desordem coletiva que incorreu em grandes desventuras para o povo. Opção para abertura dos jogos e comemoração das vitórias: canções dos músicos locais. Nada de brado retumbante enjoativo. O hino do Brasil tem 255 palavras, um dos mais longos, maçantes e confusos do mundo. Você não acha um tanto esquizofrênico ver um povo cantando um hino que não entende? Seria como o padre dizendo a missa em latim e os fiéis fingindo captar a mensagem. Os hinos do maestro Carlos Santorelli utilizam palavras simples com ritmo que empurra o time em campo, mesmo que o esquadrão seja tão ruim, mas tão péssimo que nem a criatividade musical de um gênio consegue comover as arquibancadas. Vale zoar o rival, sem exaltar a macheza da torcida. Isso é machismo besta e incitação à violência.

Meu amigo Carlos Santorelli é cantor, compositor, maestro arranjador e regente, além de advogado, mestre em filosofia e professor universitário atuante em São Paulo. Fez música para vários artistas de renome, como Agnaldo Rayol, Waldick Soriano, Wanderley Cardosos e Perla. Gravou 3 Long Plays, um compacto simples, 93 Cd's, tendo fixado na “bolacha preta”, como intérprete, mais de mil canções. Já compôs mais de duas mil canções em vários gêneros, um recorde de composições na música brasileira. Santorelli teve a gentileza de musicar um poema meu. Nas horas vagas ele me escuta no meu podcast “Rádio Barata no Ar”, programa que corre o risco de ter seu hino qualquer dia desses. Para o presumível hino da barata, já adianto as primeiras estrofes: “Barata, barata, barata / não és Detefon, mas tu me mata / barata, barata, barata / inseto orgânico / por isso é chata”. Opcional: gravar versão para surdo mudo a fim de evitar embaraços posteriores.

Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 07/06/2022
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