Sem título. Só domingo.

Eu entendi hoje, aqui e agora, que minha vó Carmita construiu minha memória nas suas famigeradas fotos. Sim, pois ela sempre estava com uma câmera digital em mãos nos mais inoportunos momentos, ela atacava se você de preferência estivesse comendo. E aguardava pelo pior ângulo. Mas não era de propósito, eram só os cliques amadores de quem só vê sentido nas coisas se for para registrá-los. Isso só ficava um pouco menos fofo porque todas, absolutamente todas as fotos iam para o Facebook, num imenso acervo dividido em pastas e mais pastas. Iam não, ainda estão indo. Tem de foto 3x4 de minha mãe até eu aos 10 anos. Mas vocês se perguntam, eu suponho, "e o que tem você com 10 anos?". Os 10 anos. A fase. A terrível. O temido início da pré-adolescência que carrega com ele necessariamente as piores fotos. E eu ainda editava pra colocar "chifrinhos" em mim, combinando com o batom vermelho que eu tentava imitar da mulher mais linda desse mundo. Que, quando estava prestes a dar à luz, a primeira coisa que fez foi passar um batom vermelho perfeitamente bem delineado. Sim, minha mãe.

Fazia anos que eu não usava um batom escuro, bem passado. Ou qualquer coisa minimamente bem feita. Semana passada, acho, usei e não pude deixar de lembrar dela. Mas eu lembro sempre, toda hora e até sem querer. E depois eu sempre lembro também que vó não usa vermelho porque era a cor preferida de meu tio, que morreu há 12 anos. Meu Deus, 12 anos! Foi estranho escrever isso.

Estava aqui revivendo umas fotos que salvei do icônico perfil de vó Carmita no Facebook, olhando minha vida e a vida dos meus em registros que foram poucos pra tantas memórias, mas que me alimentaram quando tive o desprazer de estar longe de casa por um golpe do destino. E que continuam me alimentado enquanto estou longe procurando o meu destino. Não pude deixar de sorrir com lágrimas, não porque estou escutando Caetano que me emociona sempre, mas porque hoje eu sei que sentir saudades é bonito demais. Se eu sinto é porque foi bom, é bom e anseia por continuar sendo. Minha terra, minha cidade, meu estado que conheço tão pouco e amo acima de tantas coisas, minha casa, meu quarto com uma xilogravura de Caetano que mãe me deu, meu quadro ainda não desembalado do Pequeno Príncipe nordestino dado por meu pai, meus avós juntos sempre aos berros, minha prima-irmã que me faz querer continuar, minha gente, minha bisavó Júlia que eu sei que será objeto do meu trabalho se eu conseguir fazer o que vim decidida a estudar, a sua casa que é a mise-en-scène do filme da minha vida, o milho assado na porta de casa, o São João que é a coisa mais nostálgica que meu coração pode sentir, minha infância de doenças, minha infância de criatividades em que fui tudo que gostaria de ser hoje, minha mãe, a mãe de minha mãe, a mãe da mãe de minha mãe, minhas vidas em mim. Tenho saudade porque eu saúdo. Tenho saudades porque eu sou muitas. Porque sou de plurais. Porque estou viva.