O vínculo que nos conectava

Há tempos suspeito que o amor é imune às doenças da mente. Aos poucos, junto do brilho de seus olhos azuis, via-o se perder em meio a seus pensamentos. O diagnóstico, inevitável, chegava, apressado, roubando-lhe as poucas memórias que lhe restavam. Como quem revive toda sua caminhada, as lembranças regrediam: súbito, estava entre seus pais, na companhia do irmão, na cidade de Mercês. Em seus pensamentos, formava-se em engenharia e começava sua trajetória profissional e meu rosto, tão recente, transfigurava-se em uma vaga impressão de um semblante conhecido.

Quem seria a menina que segura minha mão? Perguntava-se.

Confuso, desconfiava de todos à sua volta. Os olhos azuis, que suspeitava ser dos mais bonitos do mundo, transformavam-se, como se a luz que os fizesse brilhar, aos poucos, se apagasse. Procurava-o no mais fundo de si: aonde você está, meu avô? Por detrás dos cabelos brancos e do sorriso tão cansado, morava o meu professor preferido. Sabia que estava ali, que me escutava, que seu coração me reconhecia.

A verdade é que nossas conversas, antes intermináveis, agora reduziam-se à minha própria voz. Falava, falava e falava na esperança de reencontrá-lo até, inconformada, temer que a tentativa fora em vão. Persistente, decido segurar a sua mão, abraçando-o, como quem teima em acreditar na cura, no futuro e na vida. Fecho os olhos e respiro fundo, entregando-lhe a minha presença. Eis que, de repente, vejo-o abraçar-me de volta, apertando a minha mão.

“Fernandinha?”, ele pergunta. “Estou aqui, vovô”.

“Fernandinha, é você mesmo?”, ele repete, sorridente.

“Sou eu vovô, como o senhor está?”.

Naquele instante, ele retornara. Meu avô tão querido, meu professor preferido. Nada mais nos importava, por entre lembranças perdidas, nos reencontrávamos. Nesses momentos, quando o amor persistia em meio ao desbotar do tempo, sabia que ele jamais me esqueceria.

Meu nome, minha profissão, meu endereço ou minha idade já não mais me representavam. Entre nós, eterno se fazia o vínculo que, insistente, revelava-se maior que um laudo, uma vida ou uma palavra. No coração, ele morava. Cada vez mais, suspeitava: era o amor o que nos conectava.

Fernanda Marinho Antunes
Enviado por Fernanda Marinho Antunes em 23/05/2022
Reeditado em 23/05/2022
Código do texto: T7522417
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