Isto não é o que você está pensando

Eu gosto de escrever e dizer que é uma crônica, mesmo sendo qualquer outra coisa, porque eu posso começar dizendo que queimei minha testa com um óleo essencial e terminar revelando uma grande paixão por um não-vou-dizer-leia-até-o-final.

Sim, eu consegui queimar a minha pele misturando dois óleos covardemente mal

diluídos na água. O que aconteceu? O que acontece com toda criança que tem um machucado, uma ferida. Eu arranquei a minha pele. (Soou bastante sombrio e trágico). É, foi essa a intenção. Imaginem o meu rosto sangrando. Tá, isso não aconteceu. Mas não interessa. Taí o bom de escrever: eu não preciso me comprometer com nada. Com absolutamente nada. Diferentemente da vida. Com ela, ou a gente se compromete ou vive alheio. Eu não sei o que é pior. Na verdade, eu sei, mas tudo depende. Tem dias que é bom ser um “couch potato”, como diz meu professor, mas eu me sinto melhor quando não sou inútil. Se bem que mesmo sendo quase a espuma do sofá, eu não fico com a mente inativa. Isso é impossível, eu não consigo, mas eu vivo algo pior: perco todas as outras habilidades, inclusive as de escrever sobre o que estou pensando. Mas eu geralmente fico assim nas férias, porque eu sou possivelmente a pessoa mais antissocial nesse período do que no restante do ano, é realmente impressionante. Só que agora eu tô precisando reativar o meu modo humano de ser, confesso que é desgastante. É bom viver só na minha cabeça, porque eu não me entendo mas também não me julgo. E mais: eu rio das minhas próprias piadas. Não tem coisa melhor. Ah, sim, tem: não são piadas e eu rio mesmo assim. Agora sim, não tem coisa melhor. O doce sabor da própria companhia. Que se passar do ponto, como sabemos, amarga. Isso pra quem tem o mínimo de conhecimento culinário e sabe que o açúcar derrete e 2 segundos depois queima, virando uma coisa horrorosa e terrível de ser retirada. Joga a panela fora, desiste. Sem contar que demora exatamente 12h pra esfriar, quando você pensa que não vai mais se queimar, você se queima duplamente. Até parece que eu tenho experiência no que estou dizendo ou que eu realmente acredito nisso, mas cuidado, foi um exemplo implícito de como o ato de informar está cada vez menos dependente do detalhe chamado “ informação”. Vale tudo, menos os fatos. E eu não tenho a menor ideia de como fui escrevendo até chegar ao topo das “piores coisas que você terminantemente não pode escrever em uma crônica”. É, tá vendo? Eu faço a minha própria lei. Olha só a rebeldia de quem foi vencida moralmente por uma lagartixa ( uma semana após ser vencida moral e fisicamente por uma barata). Eu não sei se consigo deixar transparecer - por meio dos textos - o quão idiota, imbecil e extremamente propensa a ser feita de besta com pouquíssimo esforço eu sou. Mas é. Eu meio que sou. Eu meio que totalmente e meio sou. Uma pessoa me deu a mão e eu já me emocionei de mil jeitos diferentes. Mas nada aí deve ser interpretado literalmente, quis dizer que fui ajudada. E “emocionada” no sentido do novo uso do termo, pro leitor que desconhece o melhor da vida e da internet: os memes, quer dizer quando uma pessoa reage com muita intensidade em uma situação que não exige intensidade alguma. Foi a pior definição que eu já dei na vida, eu juro que eu fazia bons trabalhos na escola. Mas é isso. Eu estava vivendo em uma caverna emocional ( ainda estou) e, agora, depois de ser atiçada de volta para a sociedade, me agarrei nessa figura de modo que sinto que essa carinha atualmente queimada pode ser atualizada a qualquer momento para o status de “quebrada com sucesso”. Nossa, mas será que ela está falando de um estado de paixão aguda? Jamais. Longe de mim falar de paixão. Eu nunca disse isso, você que pensou. ( Eu suponho e inclusive espero, pois faz parte da narrativa). Estou falando de uma bela amizade iniciada em um cenário típico de crônicas: ônibus. Não, eu não fiz amizade dentro de um ônibus. No ônibus, tudo é questão de sobrevivência: ou você se segura e torce pra conseguir chegar até o fim do poço e ver a luz, quer dizer, até o final do ônibus e ver a porta ou você fica batendo papo. Os dois não dá. Tudo isso começou em um outro cenário típico de toda narrativa idiota: uma sala. De aula. Mas não vou falar sobre isso, eu vou me expor 0,1% a menos. Disse a pessoa que é-sério-eu-não-vou-dizer-parabéns-você-foi-enganado. Ai, mas eu quero tanto. E temo ainda mais. Por isso eu não vivo nada, não sou nada ainda, vivo em um estado de pré-pessoa com pré-experiências e consequente pré-vida. Que pesado. Quem escreve um negócio desses sobre si mesmo? “Que absurdo, onde iremos parar?”, dizem. Ninguém diz nada, mas eu gosto de problematizar até o que eu escrevo. Mas eu nunca me respondo como quero. Eu nunca faço nada como quero. Se eu tivesse menos vergonha nessa minha cara atualmente queimada, eu seria muito mais feliz. Eu seguiria a instituição mais insana e incendiária do mundo: o meu coração. Não falei da mente porque já está meio óbvio que está na mesma categoria. Eu aceitaria os convites, meus suplícios, os pedidos, minhas vontades. E, tendo minha alma infantil cristalizada pela poeira tóxica da convivência em sociedade, eu seria consideravelmente menos idiota e não estaria aqui escrevendo tudo isso quando, na verdade, eu só queria dizer uma coisa. Que não vou dizer porque a quem interessa já está sabendo porque eu escondo meu rosto, mas não minhas palavras. O bom é que ninguém sabe quais as que possuem veracidade : se as públicas ou as privadas. Óbvio que nenhuma das duas. Brincadeira. Eu sou até confiável, mas só vivo sofrendo pelos outros. Pausa.

Que insuportável é ter a televisão como fundo sonoro quando você claramente não quer ouvir o que está sendo obrigado a ouvir. Eu tô tentando escrever e só escuto propaganda do Dia das Mães. E não me concentrei mais porque lembrei que eu quero a minha mãe. E sei que sou assim porque eu sou eternamente carente. E uma eterna romântica incurável. Quer dizer, eu só tenho 18 anos ( nada vividos), talvez eu ainda esteja no estágio da juventude onde a gente é besta e apaixonado, mas depois passa a ser uma espécie de Lula Molusco constantemente de ressaca. Acontece que eu espero que não, eu quero continuar sendo apaixonada pelas coisas e pelas pessoas, só que sem ser idiota. Que inclui não beber até ficar de ressaca ( com todo respeito). É possível ou eu preciso vender a minha alma pra viver minimamente em paz? Se bem que é tão bom sentir, escrever, olhar nos olhos da maldição e só enxergar o brilho do prazer momentâneo que é estar ali pra depois dizer exatamente isso que eu estou dizendo agora. E aí o dono dos olhos vai dizer que amou, e aí eles vão começar a conversar todos os dias como se dependessem disso, e aí entra de novo um velho conhecido que disse:

“Dois, três dias de semelhança de princípio de amor...

Avançar seria entrar no domínio onde começa o ciúme, o sofrimento, a excitação”. Eu já disse isso antes, não nego, já usei Fernando Pessoa uma vez e me vejo obrigada a usar novamente. O que fazer se dessa lista o que eu mais sinto é o sofrimento e o ciúme? Isso é um absurdo. Eu sou a maior simpatizante dos últimos românticos. Não que eu seja. Não que eu me importe com não-vou-me-expor-mais-chega-desistam. Mas eu sou e me importo. Pronto, acabou. Dispensados.