EVANGÉLICOS, EVANGÉLICOS E EVANGÉLOUCOS

(...) “Eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja. Darei a ti as chaves do Reino dos Céus”. A frase tornou-se a base da autoridade dos papas. Como sucessores diretos de Pedro, eles teriam que guiar todos os cristãos do mundo, seguindo os ensinamentos de Jesus. Os papas, entretanto, não se contentaram com os Céus. Acabaram se tornando donos das chaves de muitos reinos na Terra.

Reinaldo José Lopes*

Claudio Chaves

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EM SEU livro Fome de Deus (Hagnos, 2009), Hernandes Dias Lopes conta que, no século III da era cristã, ao visitar o Papa Inocêncio 3º, São Tomás de Aquino foi recebido em uma suntuosa sala. O papa, ocupado em contar grande soma de dinheiro, disse sorrindo: “Olha Tomás, a Igreja não precisa mais dizer ‘não temos nem prata nem ouro’”! Respondeu-lhe, imediatamente, o ilustre visitante: “É verdade, mas também não pode dizer: ‘Em nome de Jesus, o Nazareno, levanta e anda!’”. O papa referia-se ao que considerava grande vitória da Igreja, a riqueza material; Tomás de Aquino, por sua vez, referia-se ao grande declínio espiritual da Igreja.

O ATUAL escândalo da dupla de pastores lobistas do MEC que, segundo prefeitos, cobrava propina em ouro, mostra como parte da Igreja que no seu começo não tinha prata nem ouro, hoje, pelo contrário, não consegue viver longe do precioso metal.

A RIGOR, todo cristão confesso – e, no mais radical sentido do termo, qualquer pessoa que mesmo não confessando nenhum credo, pratique espontaneamente as obras recomendadas por Cristo – é evangélico; ou seja: portador do Evangelho, ou simplesmente as boas novas de Cristo.

POR ISSO, é recomendável sempre se fazer a distinção entre EVANGÉLICOS, EVANGLÉLICOS E EVANGÉLOUCOS.

NO BRASIL, o termo “EVANGÉLICO” passou a ser aplicado para diferençar dos protestantes ou evangélicos históricos a ala pentecostal e, mais recentemente, a neopentecostal, ambas com perfil mais popular, mais próximo do senso comum e das periferias das cidades. Pentecostais e neopentecostais se diferem ainda dos protestantes, reformados ou evangélicos históricos pelos ritos litúrgicos e pela metodologia de pregação da Palavra, dando aqueles mais ênfase a questões materiais do que necessariamente à espiritualidade em sentido estrito. É dentro desse grupo (dos pentecostais e neopentecostais) que estão os EVANGÉLOUCOS.

OS EVANGÉLOUCOS não são [ainda] o grupo maior entre os cristãos [“Amém!”]; no entanto, é o mais barulhento e o que abriga as personalidades mais controversas, mais ambiciosas, mais ardilosas e mais inescrupulosas desse e de qualquer outro meio. Eis o perigo!

ENTRE as principais caraterísticas que diferem EVANGÉLICOS de EVANGÉLOUCOS, está o princípio basilar e inegociável norteador da Reforma Protestante do século XVI, a saber: a separação entre Igreja e Estado; separação esta, aliás, que se tornará uma das principais reivindicações da burguesia liberal responsável por tantas revoluções na chamada era Moderna, sendo a Francesa a mais destacada delas.

DESDE então, esse princípio serve de base para a elaboração de todas as constituições federais do mundo ocidental, incluindo a do Brasil que, no seu Artigo 19, veda, peremptoriamente, qualquer tipo de aliança entre os dois entes (Estado e Igreja), bem como a subvenção de instituições religiosas com recursos públicos.

OS EVANGÉLOUCOS sabem disso, mas, por pura conveniência, fingem desconhecer.

É JUSTAMENTE por saberem dessa pedra de toque na cultura evangélica séria que figuras como Marco Feliciano, Everaldo Pereira (Pr. Everaldo), Magno Malta, Otoni Paula, Flordelis, Damares Alves, Eduardo Cunha e Silas Malafaia centram todo seu esforço e energias para retirar do seu caminho esse “empecilho” jurídico ao plano do grupo de tomarem, em definitivo, o poder central do País e, principalmente, a “galinha dos ovos de ouro”, leia-se: chave do cofre do Tesouro Nacional.

ENQUANTO Magno Malta defende ardorosamente que a sentença constitucional “Todo poder emana do povo” tem que ser substituída por “Todo poder emana de Deus”, e o Presidente da República “decreta” que “Deus [está] acima de todos”, Damares foi, sem dúvida, a mais objetiva de todos: “Não é a política que vai mudar essa nação, é a Igreja”, e: “É o momento da Igreja ocupar a nação”. Mais explícito só uma estrutura em 3D e com descrição em braile.

OU SEJA, como pontua Lopes sobre a “auri sacra fames” dos papas medievais, pra essa turma (os EVANGÉLOUCOS) e seus seguidores, o Céu que espere – ou fique pra quem tá disposto a esperar –, porque o esforço deles é pelas chaves dos reinos aqui mesmo da Terra, e o quanto antes e mais dourado, melhor!

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* O Império Vaticano. In; Cristianismo: as grandes reportagens/Aventuras na História. São Paulo: Editora Caras, 2016.