Entre eles, ele, Jabor

 

 

          1. Meus conhecimentos sobre cinema são limitados. Dão apenas para o gasto. É enorme o meu arrependimento de não ter me aprofundado no estudo da cativante Sétima Arte. Pelo menos não passaria pelo constrangimento de ficar praticamente calado quando sou chamado a participar, por exemplo, da escolha dos melhores filmes do ano; chamado por quem não sabe que não sou tão ligado nesse doce divertimento ou porque gosta muito de mim.

          2. Quando sou convidado, tenho que me atualizar. Sobre o cinema maderno, não digo que o ignoro, mas nunca estou rigorosamente em dia.  Como fui nos bons tempos da Hollywood de Tyrone Power, Kirk Douglas, Ingrid Bergman, Marlene Dietrich, todos morando no céu. Diferente de Ivone, minha mulher, que não desliga dos bons filmes, os de agora e os d'antanho. Busca-os, acessando a Netflix e o Globoplay ; e, de repente, descobre "Sissi", com a bela Romy Schneider. 

          3. Pesaroso, confesso: nunca folheei, com o prazer de um apaixonado pela matéria, livros sobre a Sétima Arte. Poucas vezes deixei minha casa para ver esse ou aquele filme. Na televisão, dificilmente acesso os canais de cinema. 

          Na mocidade, as namoradas levavam-me para ver o filme em cartaz. Ou eu as levava, não minto, muito mais interessado no escurinho das salas dos cinemas antigos. Naqueles tempos, beijar a namorada sob a luz do sol era um escândalo. O cinema era a solução. 

          Para não dizer que na vida nenhum filme chegou a me encantar, cito dois que, volvidos tantos anos, nunca os esqueci: - "Assim Caminha a Humanidade", com Rock Hudson e "Suplício de uma Saudade", com William Holden e Jennifer  Jones. Repito: tempos d'oiro da Hollywood de Frank Sinatra e de seu grande amor, Ava Gardner.

          4. Um insignificante registro. Como disse, na juventude, não corria atrás dos filmes famosos. Mas adorava as chanchadas da imortal Atlântida. Assisti, repetidas vezes, "O homem do Sputnik", com Oscarito e Zezé Macedo; "Carnaval no fogo", com Anselmo Duarte, Oscarito e Grande Otelo; "Aviso aos Navegantes", com Anselmo Duarte, Oscarito e Eliana; e "Nem Sansão nem Dalila", com Cyll Farney e Fada Santoro. Vibrava com o desempenho desse pessoal, principalmente com os pares românticos que se formavam no desenrolar desses inocentes filmes.  Relembro-os com saudade...

          5. Mas por que escrevi tudo isso sobre cinema, mais parecendo um enorme e inoportuno "nariz de cera"? Escrevi para chegar ao meu homenageado de hoje, o cineasta Arnaldo Jabor, que morreu no dia 15 de fevereiro de 2022, no Rio de Janeiro, sua terra natal.

     Como disse, não entendo muito de cinema, por que então homenagear um cineasta?           Amigos, Jabor, além de cineasta, foi um dos grandes cronistas do Brasil.  Entre os melhores, estava ele. Suas crônicas oscilavam entre o romântico e a dura crítica, mas sempre com muita elegância. Crônicas limpas, ferozes ou mansas, sagradas. A homenagem é, pois, para o cronista.

          6. Jornalista criterioso e de texto agradável, com este mesmo zelo ele cuidava das suas páginas sobre cinema. Cineasta e jornalista. Por isso, vendo "tanta gente" vestindo o fardão da Academia Brasileira de Letras, nunca entendi por que Jabor não teve assento na casa de Machado de Assis. A menos que ele, a exemplo do poeta Carlos Drummond de Andrade, recusasse a imortalidade. Pelo que se conhecia do Jabor, seu perfil não era o daquele velhinho que se reune às 5 da tarde pra tomar um chazinho com biscoitos.

          Ele foi, até morrer, um intelectual dos grandes jornais, das rádios mais ouvidas e das boas TVs. 

          7.  Jabor, como Nelson Rodrigues, foi um excelente frasista. Transcrever suas frases numa crônica é impraticável. Para mostrar sua lucidez, habilidade e brilhantismo, trago, para encerrar minha página, estes dois pensamentos, recolhidos no seu livro, extraordinário, "Amor é Prosa Sexo é Poesia": "Eu sou do tempo em que as namoradas não davam."; "Se Deus é bom, por que Ele cria um sujeito que Ele sabe que irá para o inferno quando morrer". No mesmo livro,  numa crônica genial, ele classifica os chatos. Confirma o que dissera o escritor Paulo Mendes Campos, ou seja, que "nós somos os chatos da Via Láctea". 

          8. Fechando meus rabiscos, deixo esta triste constatação: nossas fulgurantes inteligências, escritores inconfundíveis, estão viajando pro além... Nos últimos tempos, morreram: Lygia Fagundes Telles, a dama da literatura, em 19.4.2021; Lia Luft, em 30.12.2021; Cândido Mendes, em 17.2.2022. E agora, o cineasta e cronista admirável Arnaldo Jabor. Mas nenhum deles passou por aqui inutilmente: suas obras estão aí; são imortais.    

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 23/02/2022
Reeditado em 29/03/2022
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