O DILEMA DE MALENA CAP VI

A vinda da sua mãe para a sua formatura talvez fosse artifício do destino. No Rio naquele ano, mãe e filha devido aos seus envolvimentos profissionais e artísticos, foram assistir em setembro no teatro municipal, ao que seria a última apresentação do pianista Jacques Klein com a orquestra de câmara de Moscou. Aquele conterrâneo, ídolo de sua mãe, orgulho do Aracati e do Brasil, era agora contemplado por pelo menos duas conterrâneas suas e do mesmo ofício, duas pianistas de mão cheia. Sua mãe lhe relembrara um episódio de sua primeira professora de piano em Fortaleza. Esta lhe dissera certa vez que gostaria muito de vê-la um dia num recital, a executar com o Jacques Klein uma peça a quatro mãos. Aquilo nunca chegou a acontecer, pois ele viera muito moço para o Rio e seguiu carreira internacional. Enquanto ela ficara na província... Depois casara-se e Jacques Klein já era senhor do mundo, se encontrava na Europa, na América do Norte em concertos e grandes recitais.

Felizmente pelo menos daquela vez, mãe e filha tiveram a satisfação de cumprimentar o grande homem do piano, que infelizmente faleceu no mês seguinte, dois dias antes do aniversário do Aracati... Malena achava que sua mãe fora apaixonada pelo concertista aracatiense... era, talvez tivesse sido somente uma paixonite platônica acontecida por imaginação e idolatria, mas isso era fantástico, qual era a jovem que na adolescência não sentia pelo menos uma vez algo assim?

E ela se voltava em pensamento para os perigos que Sansão o seu pragmático irmão se metera. Sabia que o campônio sempre fora meio fechado, mas talvez nem tivesse segredos. Quando começava a beber aí sim se expandia e ali é que morava o perigo, pois o homem não tinha freio e falava o que queria. Malena não tinha certeza se Sansão tinha sofrido alguma decepção amorosa, o via como volúvel ao extremo, porém devia haver sim alguma coisa de romântico em sua sensibilidade, senão como explicar aquele seu gosto musical? Se não tivesse sofrido alguma paixão não correspondida em sua juventude, nos turbulentos anos da década perdida, aquilo só podia ser o sangue hispânico da sua avó. A verdade é que Sansão tinha um gosto retrô, suas músicas preferidas eram aquelas aberrações Waldiquês-sorianesas como dizia rindo o velho Rodolfo, seu pai.

Para Malena, seu pai era seu confidente e lhe contara a façanha que fizera Sansão naquele ano da copa do mundo de 1982. A euforia estava no ar no meio do ano devido aos jogos de futebol; a Guerra das Malvinas já havia terminado com a vitória da Inglaterra, mas o assunto continuava nos bares entre os bestas bebedores de cachaça e conversadores de coisas que não lhe diziam respeito, como era o caso de Sansão e seus companheiros.

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 22/02/2022
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