Uma crônica sobre nada

Eu tive um sonho tão bonito. Bonito mesmo, de verdade. Mas é tão meu que ninguém mais vai achar bonito. Foi extremamente estranho e improvável ( por isso que se chama sonho, claro), mas eu ando tão à flor da pele que um sonho em que eu era uma espécie de Jerry Seinfeld num palanque do interior foi, sim, muito bonito. E também porque um tio morto apareceu no sonho, feliz e curado, enquanto uma tia viva que não vive estava também feliz com seus olhos que ficaram mais azuis ainda, um azul que não há. Foi um azul de sonho. Assim como o sorriso de Carlos, meu tio-avô, que nunca sorriu. E eu, que definitivamente não sou uma estrela de stand-up comedy dos anos 80, estava contando histórias pra umas 4 pessoas. Eu não faço a menor ideia do que era, não fazia sentido, mas riam. E eu vou ocultar a parte bonita do sonho, só é bonita na minha cabeça. Depois, do nada, eram muitas pessoas me ouvindo. Eu não me lembro de nem uma única palavra sequer, mas era algo grande, eu tinha um microfone e as pessoas ainda estavam de bom humor. Isso nunca aconteceria na vida real, eu não gosto de microfone. E também não sou comediante. Detalhe. E também duvido bastante da solidariedade dos meus conterrâneos ( não me cancelem ), tirando algumas pessoas da família e quem sabe algumas pessoas que ainda não desistiram de mim. Mas quem se importa, não é mesmo? Eu sempre quis falar “Ladies and gentlemen!”. E deve ser bom arrancar risadas do público, nem que seja à força com aquela plaquinha escrita “Risos”. Também tem “Aplausos”. E não nos esqueçamos do necessário “Terminou”. Mas nada supera as risadas (falsas) gravadas ao fundo para o que supostamente era pra ser uma piada. Tudo bem, tudo bem, o público precisa saber quando é pra rir. Desse pecado antes necessário, eu salvaria ( ninguém se importa) Seinfeld, Chaves e Um Maluco no Pedaço. Chaves em primeiro lugar por motivos óbvios, os outros dois partem do mesmo princípio. Meu Deus, o que eu fiz? Chespirito merece um texto só dele. O cara era um gênio. Um gênio. Não que um texto seja grande coisa, mas é o mínimo.

Eu poderia passar horas falando sobre nada, tenho um amplo conhecimento de inutilidades curiosas. Eu sou a pessoa que, no meio da conversa, surge com o dedo indicador pra cima - com uma visível exaltação que ninguém entende - pra soltar um “Fun Fact” do nada. E eu nem uso esse termo. E que raiva de quem enfia palavras em inglês à toa. Passou. É que eu lembrei de uma personagem que fazia o “Fun Fact” ter sentido, ela tinha absolutamente todo o conhecimento do mundo. De verdade. Enfim. Daí eu lanço uma curiosidade relacionada ou não com o assunto em questão, à espera de uma aprovação seguida de riso, entusiasmo ou admiração. Eu levo uma vida difícil, eu sei. Querem saber de uma? Hora do Fun Fact modificado: eu acho que usei o maior número de expressões craseadas numa crônica. Fonte: eu acho. Importância: nenhuma. Uh, sabe quem de fato extrapolou o uso da mesma palavra num filme, o que virou motivo de um alarde cinematográfico típico de fãs emocionados? Tarantino. Ele é um norte-americano de quase 60 anos que abusa da estilização da violência, usa litros e litros de sangue falso, sabe usar a música pra compor suas cenas, joga uns diálogos longos e tensos - às vezes com um alívio cômico quase sádico - e em seu primeiro grande clássico, Pulp Fiction, usou 257 palavrões em um roteiro. Era uma palavra, “fuck”, outra palavra. Essa era minha curiosidade, eu amo cada linha daquele filme e o cara é um gênio. É isto. E só pra constar: eu sou a emocionada-mor. Eu enrolei muito, não sei mais o que estava pensando. Inclusive, estou vendo Seinfeld agora. Eu sempre acreditei no poder do despretensioso, naquilo que prega ser sobre nada, que aborda coisas cotidianas e - de repente - você está obcecado por aquilo. Eu sou tipo Seinfeld, se eu fosse um seriado seria também um grande show sobre nada. Mas ainda assim um show. Tem gente que gosta. Eu gosto. De Seinfeld.