Não sei o que escrevi aqui

O mundo tá acabando e tem gente surpresa. Tô indo junto também. Mas acho que ainda consigo me salvar. Não sei se tem alguém ou algo zelando por nós, o acaso ou o destino, se é que existem. Não sei se as coisas são aleatórias ou muito bem definidas. Não sei. E não saber é meu maior saber. A metafísica ainda não se decidiu se é salvação ou droga. Eu digo que é dor e glória. E por falar em Dor e Glória, lembro do meu outro amor: Almodóvar. Meu amante cineasta genial, arquiteto de cenas, poeta das cores, um espanhol maldito da Movida Madrileña, um amigo de Caetano ( meu acontecimento preferido). Nunca quis ser mãe, meu sonho era ser artista, por isso queria dedicar tudo que eu fizesse ao meu querido tradutor de sentimentos, Caetano Veloso. Agora eu lanço a pergunta: cadê a obra? Não existe obra. Mas se um dia eu achar que devo e que posso ( devo, só não sei se posso), será homenageando quem mais me emociona em momentos singelamente catárticos. Se alguém perguntasse “ah, mas por que a gente faz festa?”, responderia prontamente “porque a vida é uma merda”. Da mesma maneira de “por que a arte existe?”, porque a vida é uma merda. Quer dizer, porque a vida não basta. E a última não é minha, é uma frase famosa e faz todo sentido. É de Ferreira Gullar. Lembro que quase chorei com sua morte, até hoje não resolvi essa questão. E eu mal conhecia a sua obra. O que não faz sentido é festejar achando a vida uma grande desgraça ou, quando festejamos, esquecemos o grande paradoxo que é viver. É, acho que enfim entrei em harmonia. Passou.

É tanta burocracia pra gostar de alguém, prefiro escrever. E nem escrevendo eu estou. Minto. Eu escrevo todos os dias mentalmente. É texto, é roteiro, é esquete de humor. Sem humor e sem talento, mas tudo bem. Eu não transcrevo. Ninguém se desespera quando pensa que o mundo caminha cada vez mais pra perto de uma distopia? E não é uma distopia futurista, é uma distopia de ontem misturada com uma de agora. O meio ambiente mal existe, a democracia definha ou já morreu, a sociedade se liquidifica, tudo se esvai e eu aqui me perguntando se ainda seremos felizes de novo. Se é que já fomos um dia. Se bem que, pra ser feliz de verdade, tem que ser meio desligado. E eu não desligo nunca. Eu não durmo, eu produzo paranoias com capacidade parcial da consciência. Às vezes até que são coisas interessantes, mas pra quê? Volto a dormir.

Sonho acordada com poder viver livremente, gostar de quem eu quiser e de quem puder retribuir, fazer qualquer coisa sem pensar demais, andar na rua, reencontrar alguém. Encurtar as distâncias geográficas que me cercam, só por alguns segundos, já valeria um ano de pandemia. Pra valer os dois, só matando a saudade com algo extremamente não recomendado: o abraço. Não um qualquer, mas um abraço pra valer dois anos de isolamento, de caos, de tristeza e crises. Coloque mais umas coisas nessa conta também, tudo que for físico precisa ser vivido pra ver se a gente não esquece que bom mesmo é estar junto. Às vezes cada um em seu canto, mas cansei de ficar no meu canto. Eu quero ir pro canto do outro. Invadir, com licença ( ou não), o espaço. Fazer um show, marcar presença, dançar e exibir dois anos de personalidades reprimidas. E olhar nos olhinhos da confusão e dizer que eu gosto mesmo é do estrago, que eu desejo o embaraço, que eu só me importo em viver o momento pra chegar em casa e escrever, de coração aberto, sobre ele. Por isso que o jeito tá sendo fantasiar mais ainda do que o normal, mas eu cansei um pouco. Quando eu puder e quando ele puder, espero que hoje mesmo em sonho, vou perguntar se ele não quer se esquecer um pouco que o mundo já acabou e, como castigo ou bênção, poderíamos viver o tal do rasgar-se e remendar-se. E o que é um beijo perto desse circo? Nem atração é. Só se for nossa. Como não adianta ser água numa fogueira de proporções continentais, eu te convido a queimar-se comigo porque aparentemente é o que nos resta.

Anita Maria
Enviado por Anita Maria em 09/01/2022
Código do texto: T7425795
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