Campo Grande na pandemia de 1918

Quase seis décadas antes da criação oficial do Mato Grosso do Sul, a vila de Campo Grande foi elevada à categoria de cidade pela lei estadual no 772, de 16 de julho de 1918. Alguns meses depois, foram registrados, em São Paulo, Rio de Janeiro e em outras cidades da região sudeste, os primeiros casos da grande pandemia provocada pelo vírus Influenza. A doença que atingiu várias partes do mundo ficou conhecida, no Brasil, por Gripe Espanhola, expressão imprópria porque, de modo algum, o vírus teve origem naquele país europeu. Estima-se que 35 mil brasileiros tenham morrido vítima desse grande contágio, um número assustador para o país que tinha então 29 mihões de habitantes.

Ainda no final do referido ano de 1918, o vírus chegou ao sul de Mato Grosso, sobretudo, em locais servidos pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, inaugurada quatro anos antes. O intendente geral (prefeito) de Campo Grande, Rosário Congro, registrou em seu relatório: “Sem a possibilidade de fazer uma estatística exata, calculo entre mil e dois mil casos verificados nas povoações de Entre Rios [atual Rio Brilhante], Jaraguari, Rio Pardo e na sede do município, onde foram notificados pouco mais de mil casos.” No mesmo documento consta que houve o registro de 36 mortes somente em Campo Grande, atribuídas a esse contágio que assustou o mundo há mais de um século.

Naquele momento ainda não havia hospital na cidade. Os doentes eram então atendidos por alguns poucos médicos e farmacêuticos. Os primeiros casos chegaram ao conhecimento das autoridades no dia 3 de novembro de 1918, mas a rápida disseminação do vírus provocou pânico na população, principalmente, por parte daqueles que não podiam pagar pelo atendimento.

Um serviço de assistência ambulatorial foi organizado por médicos e voluntários. Em seguida, foi distribuído um boletim orientando a população sobre os cuidados necessários para minimizar o risco de contaminação. A situação agravou-se quando alguns voluntários do serviço ambulatorial ficaram doentes. Uma farmácia interrompeu o atendimento porque todos os seus funcionários ficaram doentes. Houve também a distribuição de alimentos e remédios para moradores da zona suburbana, e ampla solicitação para que todos os casos fossem devidamente notificados na secretaria da intendência.

As aulas escolares foram suspensas e o prédio da Escola Municipal foi equipado com seis camas, roupas, remédios e uma cozinha para tratar os doentes. Logo no primeiro dia de funcionamento desse “hospital”, ocorreu um óbito. O governo estadual enviou um quilograma de quinino, usado para o tratamento de casos específicos. Entretanto, como a epidemia já estava quase controlada, uma parte desse medicamento foi enviada para Corumbá, aos cuidados do ilustre médico Nicolau Fragelli. Para finalizar, diante de todas as dificuldades e dores desse passado distante ou dos desafios da atualidade, além da proteção das diferentes crenças religiosas, prevalecem todos os saberes, práticas e gestos compartilhados em favor da coletividade.