Os dedos magros da pobreza

Quando li esse capítulo no “O meu pé de laranja lima” de José Mauro de Vasconcelos, estava no 5º Ano. Emocionei-me ‘de montão’. Como criança que era, não entendia como outra criança poderia ter a comida regrada, não ganhar presente de Natal, e ter uma vida sofrida. Com o meu contexto seria difícil não pensar assim!

Meu pai era funcionário público federal (agente de portaria do Ministério do Trabalho. Não se engane, o nome parece pomposo mas se pudesse falar em ’escalão’ seria negativo... branco, minha mãe negra e quatro filhos, pagando aluguel. Graças a uma bolsa integral doada por um deputado estudava em um colégio de freiras. Convivia com os filhos da burguesia da cidade. Que me lembre lá estudavam mais duas meninas negras além de mim, contudo não me julgava igual a elas, por ter pele clara.

Aos ‘trancos e barrancos’ me formei e hoje reconheço que pensava que todos tinham formação igual a minha. Ledo engano. Não reparava em minha própria casa. Meus dois irmãos estudavam em uma pequena escola mantida pela comunidade. Como não reprovei nenhuma vez a bolsa passou para o mais velho que formou na mesma escola que eu e mais tarde o outro irmão. A ‘raspinha de tacho’ ‘herdou’ a bolsa quando entrou na dita escola, porém reprovou uma vez, decidiu mudar de escola e lá concluiu os estudos.

Aos 15 anos ganhei de Natal um porta-níquel e presente apenas a caçula ganhou – um disco de bebês. Mas fome, não. Necessidade, muitas vezes. Mas hoje fui ao supermercado fazer uma pequena compra. Ao entrar vejo um senhor negro na porta. Dei ‘bom dia’ e entrei. Ao sair, o senhor me pediu uma ajuda... Olhei para ele e envergonhada disse ‘, infelizmente, não tenho senhor’. Quase pedi desculpa por não ajudar!

Quando se demora tanto para perceber o que acontece a nossa volta é isso que acontece.

Passamos vergonha!