O meu cabelo não nega

Mas já negou!

Não por que eu queria. Mas um dia consenti não ser. Confuso? Eu explico. Sou filha de uma negra e um branco(?). Brasileiro não conhece sua árvore genealógica completamente.Tava lá na minha certidão: “filha, Branca”. Tive uma infância comum e simples, como todo pobre. Freqüentei jardim de infância e até minha formatura nessa escola a questão ‘cabelo’ não me incomodou. Na formatura, minha mãe ‘enrolou’ bobs - acho que assim que escreve – para ficar apresentável. Não deu outra – cabelo armado – fiquei com a aparência envelhecida e pouco a vontade. A partir daí, pensei que se cortasse ele como um planta rebrotaria melhor... Decepcionada entendi que plantas rebrotam com as mesmas características. Afinal se era uma jaca não tinha como brotar um tomate. Comecei perceber que minha mãe e tias passavam produtos nos cabelos para ficar com a aparência de liso. Estava decidido. Iria passar o produto.Infernizei a cabeça da minha mãe - uma cabeleireira. Mas precisei esperar meus 12 anos. Nesse ínterim, apontavam que o cabelo crespo era indomável e ‘feio’. Passavam para mim o seu próprio preconceito, aprenderam a se negar desde cedo. Diziam que o ‘cabelo arrumado’ era mais ‘agradável’ aos olhos. Hoje compreendo que agiam assim para que a sociedade as aceitassem. Se não tivessem se negado, não conseguiriam alcançar melhores situações na sua vida. Nos empregos, relacionamentos sociais e afetivos. Lembro-me de ficar incomodada quando revia a minha foto de formatura. Muitas meninas brancas, com cabelos lisos, me sentia ‘uma estranha no ninho’. Até pouco tempo usei produtos fétidos que não me davam o que prometeram quando criança – o liso esvoaçante – pelo mesmo motivo da jaca convertida em tomate. Iniciava-se ali um novo tipo de escravidão – a do cabelo. Perdi a liberdade de ir e vir aos 12 anos. Primeiro a necessidade de sempre ter um cabeleireiro ‘a mão’. Pense em ver o mar, uma piscina, uma balada, um namoro sem – “não posso molhar o cabelo’! Quando negamos nossa identidade ‘nos podamos’ o tempo todo. Só que nunca seremos a imagem que querem de nós. Por que a que querem é o ideal deles. Identidade é auto estima. é dar-se valor e acreditar que pode ser e chegar onde quiser. Nós precisamos trabalhar isso em nós e em nossos filhos. Hoje construo minha vida a partir de mim, do que eu sou! Estou livre, feliz e com toda liberdade de chupar a vida até o caroço e me lambuzar!