O CASTELO DO HOMEM SEM ALMA

Sem sair de Minas Gerais, eu vou morar num castelo. Ele tem 12 torres, 37 suítes, três salas, bar, salão com churrasqueira, ducha escocesa, adega subterrânea, casa de máquinas, capela, chafarizes, ar condicionado central e um lago, tudo num terreno correspondente a 268 campos de futebol e circundado por uma floresta de eucaliptos.

É lá, no castelo Monalisa, em São João Nepomuceno, que vou curtir minha vida de aposentado. Lá, vou poder abrigar confortavelmente os familiares mais próximos e receber, com muita alegria, para nosso encontro anual, os colegas da Faculdade de Direito. Festas de aniversário, ceia de Natal, casamento de parentes, vamos celebrar tudo no castelo, sob o brilho de luminárias multicolores e ao som de belas músicas, que farão dançar até as árvores vizinhas.

Nas noites de luar, no alto da torre, com uma taça de vinho, vou poder recitar poesias: “Ora (direis) ouvir estrelas?” De dia, passeio no lago. Sem poluição, sem buzina, sem correria. Em resumo: a vida que eu pedi a Deus.

Para tanto, basta que eu dê o lance vencedor no leilão programado para o próximo dia 30 de dezembro. Valor mínimo de 30 milhões de reais. Não tenho essa grana toda, é claro. Mas estou confiando na Mega-Sena acumulada. Até lá, quem sabe?

Se eu não ganhar, vou pedir empréstimo a esses políticos que guardam dinheiro na cueca. Um deles tinha 51 milhões no próprio banco: sua casa. Não custa nada emprestar-me um pouco, para uma causa tão nobre.

O Monalisa foi construído pelo então deputado federal Edmar Moreira, há trinta anos, que “esqueceu” de declará-lo à Justiça Eleitoral e foi alvo de investigação em 2009. Ao comprá-lo, eu resgato, na memória, um episódio da minha adolescência no interior de Minas Gerais, quando vi um livro na mão de um vizinho e perguntei-lhe qual era o título. Muito sério, ele respondeu que eu não tinha idade para lê-lo. Mas, curioso e já amante das letras, consegui ver a capa: O CASTELO DO HOMEM SEM ALMA, de A. J. Cronin.

Poucos dias depois eu já havia comprado e “devorado” o romance, que me deixou uma funda impressão, como – acredito – em todos os seus leitores. Por isso é que, agora, eu me interessei pelo Monalisa.

Ao saber desse meu desejo, um velho amigo, mais cético do que eu, disse que, se Cronin ainda fosse vivo, já teria material suficiente para escrever a versão brasileira do livro, mudando ligeiramente o título para O PALÁCIO DO HOMEM SEM ALMA.

Eu não disse nada. Mas, se tal acontecesse, o nome do palácio certamente não seria Monalisa. Permaneceria o mesmo de hoje. Sem conspurcar a obra e a memória do grande Leonardo da Vinci.

De qualquer forma, se eu não conseguir arrematar o majestoso imóvel, vou reler, com os olhos de ontem, o romance original, para concluir que o modesto lugar onde moro com a família e recebo os amigos é o mais precioso castelo do mundo.

Pereirinha
Enviado por Pereirinha em 26/10/2021
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