PASSAGEIRO DA AGONIA.

Acordo, cinco horas da manhã, dormi eram onze e meia. Lavo o rosto tentando acordar, é difícil, parece que o cansaço e a cabeça pesada são mais fortes.

Tomo um café preto, pão dormido sem nada para amaciar o paladar, é como para lembrar que já acordei, logo que a luta entre o corpo e o sono é grande.

Boto a roupa já usada três vezes sem possibilidade para lavar, falta tempo para minha mulher e só tenho cinco mudas de roupas.

Pego o trem do subúrbio, abarrotado, cheio a botar pelas janelas gente, gente amassada, indormida, com fome, tendo as necessidades da alma e do corpo mostradas sem cortinas.

Sou o passageiro da agonia, a infelicidade de ser infeliz para nada retornar, mísero salário no fim da jornada mensal, que não compra o mínimo, nem o satisfatório em arroz e feijão, um pouco de café, para lembrar que já acordei e umas bisnagas poucas.

O trem vai recolhendo nas estações as faces tristes das agonias expressadas, é o holocausto humano que não leva aos campos de exterminação nazista que eram mais efetivos, matavam mais rápido.

Chego ao meu destino depois de duas horas de empurrões e apertos, desço sufocado entre braços e corpos fedidos, deles me desvencilho, posso respirar, já é alguma coisa.

No trabalho de pedreiro sou recebido pelo encarregado com rigor no olhar, atrasei dez minutos, é como seus olhos mandassem o recado, cuidado que seus filhos e você ficarão mais miseráveis que a miséria.

Começo o trabalho carregando o peso que o corpo não mais consegue carregar, pois seu próprio peso já é um fardo.

Fim do dia, com o estômago levando o arroz frio comido no “almoço” com a mistura do feijão que coloria um pouco a fome desmedida, nunca aplacada.

Volto para minha pobre casa, paupérrima, mais um dia carregado do infortúnio que não pedi para ter sobre os ombros. Uma não-vida.

Onze horas, desabo na cama sem nada para comer, exaurido, pedindo para morrer, ter paz.

Sou um dos muitos Cristos que vagueiam nas cidades grandes, martirizados, passageiros da agonia, enquanto outros gastam tudo que me daria um pouco mais de dignidade; eles têm um nome importante que sempre ouço: “políticos”.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 08/10/2021
Código do texto: T7359068
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.