Perpétua Solidão

Nasci no frio de junho de 1981, diz no registro civil que, foi por volta dás 20 horas meu nascimento. Será que nasci mesmo em 1981? Só fui registrada em setembro de 1982… Era inverno e o calor das fogueiras juninas ardia na terra nordestina.

Tudo me leva a compreender e aceitar esse destino perverso de estado de solidão. No contexto histórico, o mundo iniciava, a década da depressão, foi também o ano que nascia o Partido dos Trabalhadores, e Trabalhadoras, espaço político que despertou minha visão social, sou esquerdista, obviamente socialista e feminista.

A Solidão, a que compreendo e aceito, fica dentro desse contexto: frio de junho e calor da fogueira, início de um tempo pós guerra, surgimento de uma nova era política, meu nome de registro é um e meu nome popular é outro. Eu sempre tive duas vias. Em 10 de setembro de 1982 passei a ser gente, e sim, eu nasci em junho de 81, a demora para registrar estava ligada a espera do bonitinho que, junto com minha mãe, me fabricou. Eles transaram algumas vezes, ela ficou grávida, e ele sumiu.

A solidão tem sido constante em minha vida, na infância, na adolescência, na juventude e adulta.

Minha insegurança em não ser amada sempre me afastou de pessoas, embora fosse grande a necessidade de tê-las por perto. Me acostumei a mim e admito: não sou feliz vivendo assim, embora, quando estou na multidão, sinto logo a necessidade de voltar pro meu eu. Quase sempre tive que fazer minha comida, lavar minhas roupas, decidir por mim mesmo o caminho a seguir. No fundo, o que eu queria, era ter um paizão. Não, pera! Não estou diminuindo aqui a existência de minha mãe, ela foi pra mim o que ela pode ser, nem esse lance de que sou coitadinha, não é disso que estou falando. Eu queria ter tido sim um paizão, uma referência de homem em minha vida, que se eu tivesse tido, talvez hoje eu não seria essa pessoa insegura em relação aos homens. Eu tenho medo de todos os homens, eu acho que todos eles se comportam como meu pai.

A solidão de outras mulheres também me assusta, e eu não me acho especial a ponto de dizer que comigo seria diferente. A solidão se faz presente no corpo, na alma, na vida e na mente.

Às vezes, entro em conflito dos três pilares que me sustentam: o social, o espiritual e o eu, esses dois últimos é que me levam ao estado de isolamento. O espiritual* me afasta de tudo e a sensação que me cabe é deliciosa, eu me permito e vivo intensamente, certa de que não estou sozinha e certa de que não preciso de ninguém por perto. O **Eu, é doloroso, me maltrata e me apresenta a morte, de corpo, de alma e da vida. Não gosto dessa solidão, quando estou nesse momento, eu grito. Grito de diferentes formas: na música, no texto, na dor. O meu eu não é saudável, admito aqui que falta muito para o encontro de mim, comigo, hum, parece redundante, né? Mas é isso mesmo, eu não sei quem sou. O quero, eu sei. Bom, o “eu não sei quem sou” não se trata de sexualidade, muito menos de identidade social. O “não sei quem sou” faz referência às partes que me faltam, os caminhos que desviei e os tantos outros que tive de percorrer sozinha, sem ninguém segurando minha mão ou me incentivando a continuar, ou parar. Inúmeras vezes tive de parar, no meio do longo caminho, olhar pra frente e olhar para trás, ninguém me esperava e ninguém me incentivava a voltar, ou continuar. Minha caminhada e minhas decisões, sempre partiram de mim. O pilar social é o resultado dos dois. Eu represento o que eu reflito e muitas vezes, o que eu reflito, não é o que sou.

Todos os dias eu aceito a vida, renego as dores, embora estejam presentes em quase todas as partes.

É lúcido aceitar as dificuldades e reconhecer as ausências da sua base e também é lúcido compreender que a mudança, a partir de sua base não será fácil e sua base, por ser ela como é, certamente, também, não teve uma base e eu, que sei disso e determinei o aceite, devo seguir na construção ou na destruição da vida. E é assim, a perpétua solidão que se constrói, na vida, ou na morte.

* texto próprio ** texto próprio

Néia Brasil
Enviado por Néia Brasil em 19/09/2021
Código do texto: T7346061
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.