A casa

Há quem ache que o corpo é o que temos de mais íntimo e não discordaria, afinal é o templo que guarda a alma, mas penso que não há nada mais íntimo que nossa casa. Quando você atravessa a porta da casa de alguém, é um universo único que se abre. Uma dimensão inacessível e que só existe porque alguém ali habita.

Já esteve em um local abandonado? Não sentiu um vazio? É porque de fato, não havia “vida” ali. Não são as paredes que determinam um lar, não importa se é um casebre de madeira ou uma mansão luxuosa, mas sim, cada detalhe materializado pela rotina, pelas lembranças e pela própria vivência.

Casa é um livro em que você entra na história. História essa contada para olhares atentos que percebem os parágrafos em cada canto como os porta retratos com lembranças marcantes, o livro preferido jogado na cabeceira, a lasca de uma parede removida em uma peraltice das crianças que ali viviam, a tinta nova sobreposta a outra antiga, que foi importante no seu respectivo momento ou em outro capítulo da mesma história.

Casa também é mudança. Como caramujos, elas mudam conosco. Ainda que você volte anos depois à um local, ele nunca será igual. Seja porque quem ali morou mudou por dentro e tudo fora se transformou ou porque suas lembranças dela reconstituíram um momento que não existe mais ali, o que causa estranhamento pelos “novos” detalhes. Sentimento esse que traduz a nostalgia.

Casa é o confessionário. Mais do que rotina, partilhamos nossos segredos, nossos sonhos e nossa cama. Está tudo ali exposto. E talvez por isso, sempre achei significativo olhar uma janela. Elas são a capa de um livro, de uma história que você não conhece.

Sempre achei curioso, que quando perguntamos sobre as fotos do antigo imóvel que viveu, as pessoas não costumam ter nenhuma. Não fotografamos a nossa casa, o lugar que mais passamos tempo, que nos acolhe e protege. Tudo que temos são memórias “imperfeitas” do que imaginamos ter sido, mesmo que não fosse exatamente como lembramos. E porque?

Talvez, porque seria um verdadeiro NUDE. A foto explicita do que fomos realmente e que deixamos reservados os direitos ao espelho de nossas lembranças. É como viver em um lugar turístico e não conhecer o que deslumbra estrangeiros. Não glamourizamos o cotidiano, embora seja onde mais passamos tempo.

Talvez esse texto não diga muito às pessoas. Como alguém pode perder tempo falando de “casas”? E não digo tudo isso por ser arquiteto, o que as torna familiar para mim, mas sim, porque casa é o lugar onde sempre nos achamos. Dela saímos para desbravar o mundo e para ela voltamos, quando precisamos encontrar o nosso próprio mundo!