Sejam bem-vindos

     1. No meu tempo de menino, acordava cedinho para dar de comer aos passarinhos. Os de minhas gaiolas, muitos, e os que me procuravam , pousando sutilmente nos galhos do imenso cajueiro que dava sombra ao quintal de minha casa e ouviam meus queixumes, em dias de recordar... 
     
2. Ah, os velhos cajueiros! Sempre que os vejo, sinto saudades. Trazem-me saudades infinitas... 
     O saudoso cronista Rubem Braga, referindo-se a um cajueiro que seu coração guardou, disse em uma de suas crônicas: ..."ele vive nas mais antigas recordações da minha infância".      Também tive um pé de caju que me deu sombra e alegria quando eu era meninote.
     
3. Eu, criança, morava num sertão muito distante das grandes cidades. Um sertão brabo mas tinha muitas flores multicoloridas.,
perfumadas ou não; lagoas com aguapés e sapos; cobras venenosas;  e pássaros canoros em abundância fazendo a festa. 
     Um sertão enfeitado por açucenas e bugaris e pelo cheiroso mofumbo, que não procurava lugar para nascer. Em todo o canto a gente encontrava um pé de mofumbo.
     
4. Era mesmo um sertão fantástico! Eu acordava ouvindo rolinhas fogo-apagou e rolinhas cascavel; canários da terra e bem-te-vis assanhados e indiscretos. 
     Ao meio-dia, sol tinindo, ouvia o canto plangente das cigarrinhas. E ao cair da tarde, as sabiás choronas, as juritis saudosas e as galinhas, irrequietas e cacarejando, procurando seus poleiros. Era mesmo um sertão fantástico!
     
5. Quando cheguei na cidade grande, nas capitais, pensei que aqueles passarins que vira no coração do sertão, só voltaria a vê-los, e mais do que isso, a tê-los em gaiolas. Ledo engano!
     Enquanto morei em casa, com quintal e jardim, criei dezenas de pássaros sertanejos, alguns adquiridos a peso de ouro, como as sabiás e as graúnas, sem falar nos curiós. 
     Meu reencontro com passarins matutos, contei em várias crônicas que repousam neste meu site.
     
6. Certa feita, escrevi sobre um bem-te-vi, por mim apelidado de Felicidade. Todos as tardes ele invadia meu gabinete doméstico e pulava de livro em livro, sem cantar, sem dizer cheguei.  E eu lhe pedia com os olhos, no momento em que ele partia: volte sempre, meu amigo bem-te-vi, gostaria de tê-lo como vizinho. E ele, cantando, desaparecia.
     
7. Não é que, agora, vários bem-te-vis povoam minha varanda para, suponho, matar a fome. Descobriram que na minha varanda ponho doce mamão para eles. Recebo-os com alegria; com o carinho do meu olhar de passarinheiro aposentado.  Eles comem, comem, comem como se estivessem num pomar de deuses. 
     
8. Todos comem igualmente. Nenhum sai com fome.  Não vejo em nenhum deles uma desvairada ganância. Todos retornam ao seu céu de papos cheios. 
     Pois é. Isso acontece todos os dias, na minha varanda, olhando pro mar. Comem, comem e lançam-se ao espaço em belíssimos voos. E eu fico pedindo a Deus que eles voltem sempre. Serão sempre bem-vindos.       
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 12/07/2021
Reeditado em 15/07/2021
Código do texto: T7298083
Classificação de conteúdo: seguro