Sozinho ou solitário?

Como é boa a sensação de se sentir acolhido, compreendido, abraçado, mas anda muito rara. A correria do Século XXI quase não nos deixa tempo para uma conversa franca (nem que seja por telefone) e mesmo exercitar o olhar atento para o outro, tão necessário para tentar neutralizar essa invisibilidade que insiste em ocupar espaços a muque dentro das famílias e na vida social. Estamos juntos, mas muitas vezes paradoxalmente ilhados, cercados de egoísmo e incompreensão por todos os lados, fenômeno triste. Um imenso arquipélago, melhor dizendo, cada indivíduo em seu mundinho particular. E o poeta inglês John Donne já havia escrito no Século XVII: “Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; cada ser humano é parte do continente, uma parte de um todo”. Ele não está errado, somos seres complementares e interdependentes vivendo em uma só trama complexa.

Acontece que Donne viveu há quatro séculos, portanto era dotado de outra cosmovisão e mentalidade. Se vivesse na era atual talvez adaptasse ligeiramente o seu discurso para o mundo globalizado e as modernidades tecnológicas em que a gente depende sim de outros, mas com uma diminuta máquina nas mãos temos acesso a uma gama imensa de probabilidades para bem e para mal. Por outro lado o homem é um ser gregário por excelência, então para mim é difícil compreender quem suporte e até anseie ardentemente pela solidão, mesmo considerando que estar só e ser solitário são situações bastante diferentes.

Nem quero mencionar o distanciamento social durante a pandemia, pois é uma necessidade real momentânea, enquanto o isolamento do qual falo é muito mais antigo. Acontece por opção ou por falta dela. Como se fosse uma “festa estranha com gente esquisita”, parafraseando o músico Renato Russo. Pra lá de esquisita, Renato. As tribos agora são no máximo virtuais e quando cismam brigam a respeito de tudo, até cunham termos para rotular o que consideram ultrapassado ou vergonhoso, no caso, o termo “cringe”. Mas esse cringe também já foi démodé, cafona e out.

O que dizer então do uso indiscriminado dos aparelhos eletrônicos até mesmo durante as refeições em família, seja em casa ou em restaurantes e encontros sociais? Existe uma legião de autômatos à solta. Gente andando na rua enquanto digita, nem sei como não caem num buraco. É vício, mas também sinal de desprezo com quem passa ou está com ele, não só demonstração de falta de polidez. Todo mundo já notou grupos de pessoas reunidas cada qual mexendo no seu celular fazendo coisas totalmente independentes e disparatadas. Até em museus! Jovens e pessoas mais velhas estão agindo assim bem como os casais entre si, o fenômeno é geral a ponto de existir uma espécie de “código silencioso” segundo o qual não se deve telefonar sem antes mandar uma mensagem de whatsapp. Nesse ponto estou frita, porque meu celular vive no modo silencioso, só o telefone toca, muita gente se aborrece. Tudo muito frio e impessoal no meu entender. Interessante e pedagógico é ver certas empresas, escolas e famílias que já implantaram uma caixa para recolher todos os smartphones que só são restituídos depois da reunião, aula ou evento. Se não tiver um bebê faminto ou alguém muito doente que ficou em casa acho muito certo. E se tiver, por que saiu de casa? Ninguém vai morrer em duas ou três horas, e se morrer morreria de qualquer jeito.

Certa vez fizemos uma excursão rodoviária na região da Andaluzia, Espanha, e foi curioso observar que havia um homem filmando absolutamente tudo plantado na escadinha do ônibus bem na frente ao lado do motorista com sua então novíssima câmera Sony, aquelas ainda analógicas (fitas que embolavam). Ele não aproveitou nada (a meu ver) a fim de registrar tudo: Os campos de girassol intermináveis na estrada, os palácios e monumentos, os jardins mouros com plantas bem podadíssimas e verdejantes, parando apenas para se alimentar ou dormir. Aliás, eu nem escutei o “cinegrafista” conversar nesses dias todos, ele não estava relaxando, estava trabalhando solitariamente em meio a um ônibus cheio de gente. Literalmente limitando seu passeio a pedido insistente da esposa. Se ele parava, ela reclamava. Mas quem sou eu para julgar, de repente ele curtiu fazer isso durante cinco dias, mas parecia muito estranho enquanto todo mundo interagia e se maravilhava.

Mas o assunto é o acolhimento e a solidão. É óbvio que tem gente que valoriza seu sacrossanto sossego e até prefere passar a maior parte do tempo sozinho em casa (mesmo que não more sozinho) ouvindo música, lendo, comendo o que gosta ou até sair, mas sem companhia nenhuma, porque não quer fazer concessões ou possui uma autoestima elevada, afinal ele se basta. Mil vezes melhor estar confortavelmente em sua própria companhia do que ao lado de um papagaio palrador que corta sua concentração no cinema, come pipoca ruidosamente e ainda insiste em fazer programas que não coincidem com seu gosto. Aí eu assino embaixo que vale o ditado “antes só que mal-acompanhado”. Se a pessoa for carente de companhia vai se anular em todas as hipóteses acima e em muitas outras recaindo aonde? Na solidão em público e no desconforto. Escolher com quem se anda é fundamental e salutar, de outra forma é masoquismo. É fácil encontrar almas gêmeas, seja no amor ou na amizade com quem possamos compartilhar gostos similares e bater papos agradabilíssimos recheados de risadas? Não, em absoluto. Mas a gente garimpa daqui e dali e seleciona poucas e boas companhias com quem adoramos trocar confidências nos bons e maus momentos. Fazemos isso desde o jardim de infância e morreremos fazendo, esteja o amigo pertinho de nós ou do outro lado do mundo como tenho alguns. A internet aproxima, ajuda, conforta. Sem falar que, para quem acredita, o maior amigo do mundo está 24h online sete dias por semana e nem precisa de sinal de internet, Ele se conecta pelo coração.