Das Minhas Lembranças 5

Na medida em que reviro o baú da memória, vêm à tona lembranças que o tempo esmaeceu e que se fazem mais nítidas ao me situar no contexto da época. E por mais que me esforce, não consigo lembrar o nome destes heróis, que ousaram lutar contra a ordem opressora.

Em 1979 a greve dos metalúrgicos de BH e Contagem mexeu com os corações e mentes de muitos companheiros e companheiras. Houve a costura de um acordo em que os trabalhadores da Belgo iriam fazer piquetes nas portarias da Mannesman e os da Mannesman nas portarias da Belgo. Era uma forma de evitar que olheiros identificassem os grevistas, para nos protegermos de perseguições e demissões futuras. Mas os companheiros da Mannesman não se apresentaram em número suficiente nas portarias da Belgo-Mineira.

Certa noite, por volta das vinte e uma horas eu estava num piquete, na portaria da Mannesman que dá acesso ao Bairro das Industrias, com a mochila de lanche e uma garrafa de café pendurada no ombro. Acho que era a portaria 4. A polícia estava lá, para nos dispersar. Comecei o trabalho de convencer os companheiros a aderirem à greve. Policiais montados em cavalos e outros à pé, com porretes, interditavam a passagem. De repente eu tive de correr para não ser pego. Corri em direção aos vagões de trem estacionados na via. Uma viatura me seguia. Estavam mesmo dispostos a me pegar. Não sei como atravessei os vagões e fui parar à beira de um córrego. Escapei das garras da polícia e quase caio nas garras de um cão. A lua estava uma beleza. Contemplei-a por alguns segundos. Tomei um gole de café, pensando como sairia daquela situação. Na correria nos dispersamos. Não sabia onde estava o Gonçalves. Depois ele me diria que seguiu pelo córrego até o sindicato, lá chegando, molhado até a cintura. Eu andava sob a luz do luar, quando cheguei próximo de um barraco à beira do córrego. Ao dar a volta, levei um susto: um cachorro dormia tranquilamente no pequeno terreiro. E agora? Tratei de sair de fininho. O que tinha de ser feito, fora feito. Não me lembro de como retornei para casa. Foi uma noite complicada e mal dormida. No dia seguinte conversei com o companheiro Rui Barbosa e ele me contou que um operário do especial, que levava os companheiros para o turno das 15h fez o motorista do ônibus parar na Praça da Cemig e convidou a todos para descerem, no que foi obedecido. Outro especial, passando pelo Bairro Industrial teve o seu itinerário interrompido por pneus furados por pregos colocados na via. Assim como o companheiro que obrigou o motorista a parar na Praça da Cemig, outros personagens anônimos, formavam as lideranças de seções da fábrica, que garantiram a paralisação.

Novas emoções aconteceriam na noite que se aproximava.