São lá do Ceará

     1. Dois poetas lá do Ceará. Um se chama Antônio Tomás e o outro Juvenal Galeno. Dois sonetistas da melhor qualidade: bons nos versos e bons na rima. Seus poemas têm começo, meio e fim. Ao final, sabe-se perfeitamente o que eles queriam dizer. Não deixam ninguém nas nuvens; voando. 
     
2. Na companhia de Antônio Tomás e Juvenal Galeno prossigo no meu projeto de trazer para minhas crônicas os vates e os cronistas com os quais me divirto no meu dia a dia de amigo dos livros.      
     Deixo claro que não tenho a menor intensão de re-escrever-lhes as biografias. Reconheço que me faltam competência e fôlego para fazê-lo.
     
3. Quero, trazendo-os para minhas crônicas, colocar seus livros nas mãos dos meus amigos; proporcionando-lhes boas leituras nas suas horas vadias.  E, o quanto possível, afastá-los da poesia e prosa fabricados, que pouco ou nada dizem ao leitor. 
     
4. Vamos lá. Comecemos com Juvenal Galeno. Fiz meu Curso Científico no Liceu do Ceará Graças à generosidade de alguns colegas, fiz parte da diretoria do Grêmio do Colégio.
      O Grêmio, dirigido por alunos brilhantes e devotados, promovia encontros literários com a leitura de sonetos de poetas cearenses, inclusive os de Juvenal Galeno.
     
5. São simples os versos de Juvenal Galeno; como, aliás, é simples toda sua obra. Mas é repleta de doçura, como se vê nestes versos do poema "O Primeiro Amor" :     
      "Inda eu era rapazinho,/ Inda jogava o pião,/ Quando Rosa com seus olhos/ Pôs-me fogo ao coração;/ Inda eu era rapazinho,/ Inda jogava pião". É um poema longo. Mas, se o leitor se dispuser a ler na íntegra, não se cansará.
     
6. Volvidos mais de sessenta anos, desde meus tempos de Liceu, concluo que guardei pouca coisa do poeta Juvenal Galeno. Guardo, porém, o suficiente para tê-lo na conta de um dos melhores poetas da Terra de Iracema. 
     
7. Juvenal Galeno nasceu em Fortaleza no dia 27 de setembro de 1838. Cantou, numa poesia empolgante, sua pátria, os escravos, as secas, o verde mar cearense. E uma das árvores símbolo do Ceará, a cajueiro.  É dele: "Cajueiro pequenino/ Carregadinho de flor,/ Eu também sou pequenino/ Carregadinho de AMOR. 
     
8. O poeta Juvenal Galeno, de versos simples, mas de beleza inconteste, foi, por isso mesmo, o primeiro Príncipe dos Poetas Cearenses. Morreu em Fortaleza no dia 7 de março de 1931. Aplaudamos de pé este maravilhoso vate cabeça-chata.
     
9. O Poeta Antônio Tomás, inda hoje aplaudido como um dos melhores sonetista da terra de José de Alencar.   Ele era padre. E padre virtuoso. Fez sonetos religiosos e sonetos que o povo chamava de "profanos"; como "O palhaço", "Contraste", "A meretriz" e "Verso e Reverso". Verá o amigo, ao lê-los, que não são tão "profanos" assim. 
     
10. Mato a curiosidade do leitor, transcrevendo o soneto "Verso e Reverso". Por esse soneto, o padre Antônio Tomás pagou caro.      Não tem absolutamente nada capaz de  manchar suas mãos consagradas com sua chegada ao sacerdócio. Resume-se na história de uma puta que virou mendiga. Belíssimo soneto! A seguir, transcrevo-o com indisfarçável prazer.
     
11. Verso e Reverso - Essa mulher de face escaveirada, / Que vês tremendo em ânsias de fadiga,/   Estendendo a quem passa a mão mirrada,/ Foi meretriz antes de ser mendiga. === Fugiu-lhe breve, nessa vida airada,/ Da mocidade a doce quadra amiga/ E chegou a ser velha a desgraçada/ Antes do tempo...A tanto o vício obriga! ===  Ontem, de gozo e de volúpia ardente,/ Fosse a quem fosse dava, a qualquer hora,/ Os seios brancos e o lábio sorridente. === E hoje - triste sina! - embalde chora, / Pedindo esmola àquela mesma gente/ Que dos seus beijos se fartara outrora. 
     
12. O poeta Manuel Bandeira, no poema "A morte absoluta" versejou assim sobre sua morte: "Morrer tão completamente/ Que um dia ao lerem o teu nome  num papel/ Perguntem: "Quem foi?"; uma opção nítida pelo anonimato eterno.  Apesar de sua opção, Manu continua vivo. 
     
13. No mesmo passo, Antônio Tomás sonhou com o anonimato depois da morte. Deixou escrito: "Quero ainda que meu corpo seja enterrado sem esquife e que a pedra da sepultura seja posta no mesmo plano ficando debaixo do chão, e que não se ponha em tempo algum, sobre ela, nome, data, inscrição ou qualquer sinal exterior que a faça lembrada". 
     Os poetas não morrem. Ficam para sempre. Serão sempre os cantores ou cantadores da beleza; semeadores de alegria; cultivadores do amor...    

 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 22/06/2021
Reeditado em 23/06/2021
Código do texto: T7284406
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