NÓS ENTRE O TEMPO

NÓS ENTRE O TEMPO

Rostos, nomes, vultos que se esquivam do meu olhar. É o tempo incidente na materialidade que busco. Preciso do palpável para não entrar numa bússola quebrada. O relógio é um norte, embora precise de todas as direções da rosa. Quero todas as dimensões do vento. Estamos presos nessa engrenagem chamada tempo. Acorrentados pela memória e a metódica agenda.

Já não consigo mensurar quanto de mim já foi e ficou. Terei voltado ao mesmo ponto? Antes de ser eu mesmo, vivia no esconde-esconde, pulava a corda das horas. Meus fantasmas apenas se encontravam no escuro da cronologia. Hoje, na claridade das madrugadas, encontro-me com traças a corroer meus pensamentos.

Quiseram as dúvidas me alcançar no momento em que pensei estar na madureza? Eu manchei meu rosto para me sentir mais, porém retrocedi. Ah, a gente não muda, só se ausenta. Nas escolhas nos reinventamos, entre enganos e sofrimentos e, diante disso, ainda julgamos ser autênticos.

Atrás da porta do trivial nossa existência vai se maquinando. Queríamos nos administrar como se fôssemos uma empresa, mas já estamos falidos. Quase em extinção. Construímos uma memória na qual os troféus encontram-se empoeirados, mas ainda contamos vitórias.

Vitórias regidas por uma alegria que abre e fecha elos. É nesse instante em que viramos o rosto. Porém, amadurecer é distinguir a alma do corpo. Não que sejam antagônicos, mas não há unicidade. Depois de ir ao mais recôndito, descobrir que o sonho não era mais que ideia e reconhecer que a trilha era feita por espelhos, passamos a pisar com cuidado.

Horizonte não deixa de o ser se olhado na vertical. Talvez estejamos olhando algo grande por uma pequena fresta ou, quem sabe, a festa seja grande para algo tão pequeno. Não sei. E é por não saber que ainda me restam esperanças.

Mas, se estamos sós, não é culpa de ninguém. É de todos. É de si. É descida. Se a nossa vida não estiver calcada predominantemente nas vontades próprias, então sucumbiremos como zumbis e nos restará o lamento. O que fomos, somos, não se deriva de meras circunstâncias – nosso querer não é poder, mas só o poder ganha estatura por meio das lutas diárias.

É por isso que esse texto traz a mistura de vozes. É feito por um “eu” até chegar ao “nós”. E se o nós se desata, ficará essa marca indelével a que chamamos ruga. É por isso que as crianças não têm rugas. O tempo não passou por elas, pois ainda não construíram o “nós”. E sua agenda interior não está condicionada ao pragmatismo. Há muito espaço para contemplar. O tempo é um templo, é o natural escultor, que pode ser feio ou bonito. Depende dos ornamentos...

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 19/06/2021
Código do texto: T7282539
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