A misoginia do Bolsonaro ataca novamente

Durante a sua live semanal, toda quinta-feira, apelidada de “live dos infernos” pelo Twitter, por todos absurdos que o presidente fala, sempre acompanhado por um ministro a tira colo, ele não deixou a desejar e fez mais um dos seus discursos esdrúxulos que tem muito engajamento – o que diz muito sobre que tipo de idiotas andamos idolatrando.

Na última quinta-feira, dia 22 de abril, Bolsonaro fez sua costumeira live e soltou várias inverdades, acerca da vacinação, de tratamento precoce, alfinetou João Dória e o Instituto Butantan, sabe, os temas típicos. No entanto, ele foi além (novamente!): ele disse que decidirá se sanciona ou não, na segunda-feira, o projeto de lei que visa combater a discriminação salarial entre homens e mulheres que exercem a mesma função. Ele pediu ajuda nos comentários – o que me deixou preocupada sobre que tipo de comentários serão feitos.

O presidente afirma que sancionar o projeto de lei que aumenta a multa trabalhista para empregadores que pagam salários diferentes para homens e mulheres que exercem a mesma função pode tornar “quase impossível” a entrada de mulheres no mercado de trabalho. O projeto, aprovado pelo Senado no fim de março, prevê que a punição passe a ser até cinco vezes a diferença salarial verificada entre o homem e a mulher. A indenização será multiplicada pelo período de contratação da funcionária, respeitando um limite de cinco anos.

A lei, se aprovada, é um importante passo para combater essa disparidade de salários que homens e mulheres ganham ao fazerem o mesmo trabalho. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em 2019, as mulheres receberam 77,7% do salário dos homens. A diferença é ainda mais elevada em cargos de maior rendimento, como diretores e gerentes, em que o percentual chega a 61,9%. Esses dados foram divulgados em 04 de março desse ano. Não temos a pesquisa de 2020, que pode ter sido ainda pior, pois as mulheres foram as mais afetadas pelo desemprego e o trabalho remoto durante a pandemia.

A pesquisa, que analisa as condições de vida das brasileiras, aponta que a maior desigualdade salarial está na região Sudeste e que apenas 34,7% dos cargos gerenciais do país eram ocupados pelo sexo feminino. Apesar da disparidade, mais mulheres tinham diploma da faculdade. Na faixa-etária entre 25 e 34 anos, 25,1% das mulheres concluíram o nível superior, contra 18,3% dos homens. O relatório da pesquisa é muito interessante (eu recomendaria dá uma olhada; usei a matéria da CNN como fonte) e traz ainda mais informações sobre como o abismo econômico entre os gêneros, em pleno século XXI, é enorme e dá sinais ínfimos de que serão erradicados. O estudo aponta que apesar das mulheres serem mais escolarizadas, têm menor inserção no mercado de trabalho e na vida pública, permanecendo em situação de vulnerabilidade.

Voltando ao discurso do Bolsonaro, não é surpreendente que ele pense assim. Em 2018, em plena campanha eleitoral, ele mostrou-se contra leis na direção da equidade de gênero no mercado de trabalho. Defendeu que cada caso deveria ser discutido na Justiça, mas também criticou que a Justiça do Trabalho toma decisões favoráveis ao empregado, a parte mais frágil da relação trabalhista.

Visando adotar uma atitude de preocupação, atípica de seu comportamento natural, com o acesso ao mercado de trabalho pelas mulheres, o presidente se mostrou receoso de toda a repercussão que a lei causaria se aprovada. “Qual a consequência disso vetado ou sancionado? Vetado, vou ser massacrado. Sancionado, você acha que as mulheres vão ter mais facilidade de arranjar emprego ou não no mercado de trabalho. Vamos ver se eu sancionar como vai ser o mercado de trabalho para a mulher no futuro. É difícil para todo mundo, para a mulher é um pouco mais difícil. (Vamos ver) Se o emprego vai ser quase impossível ou não.” (Coitadinho, né? Só está pensando no nosso bem – contém ironia).

Deve ser muito difícil para o Bolsonaro sancionar essa lei. Afinal, ele é um misógino. O misógino não gosta de mulheres. Eu sei, o presidente não entende muito bem o que significa misoginia, afinal ele se intitula um hétero top, muito machão. Pode até ser, para os padrões machistas. No entanto, misoginia significa aversão ou ódio as mulheres. Significa que o homem pode até gostar das mulheres como objeto sexual, mas odeia que elas sejam sujeitos de direito, sejam fortes e independentes, que não abaixem a cabeça quando um ele fala. Por isso o feminismo assusta tanto, porque mostra quem as mulheres podem ser e que podem ocupar o lugar que quiserem.

O presidente tem em seu reportório muitas falas misóginas. Poderíamos fazer uma lista, mas citarei: “O Brasil é uma virgem que todo tarado de fora quer”; “o Brasil não pode ser o paraíso do turismo gay. Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade.” Não é de hoje que o presidente ataca deliberadamente as mulheres e recorre, sempre que possível, a artifícios de cunho machista e gosto duvidoso para falar sobre vários assuntos. Os seus ministros também seguem o mestre. Por exemplo, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse que “hoje um homem olhar para uma mulher já é tentativa de estupro”. A série de ataques foi levantada pelo Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP), e virou o cerne de um processo por danos morais movido pela Procuradoria contra a União.

Por isso, me desculpe não acreditar que o presidente está preocupado com a inserção das mulheres no mercado de trabalho. Se realmente o tivesse, não estaria questionando o que a lei propõe. Pelo contrário, estaria em campanha para que a lei fosse aprovada e cumprida o mais rápido possível, pois a luta das mulheres por igualdade salarial é antiga e já estamos cansadas de sermos descriminadas ou questionadas ou desqualificadas de nossas inteligência e competência pelo simples fato de sermos mulheres. Merecemos receber o que é justo por nosso trabalho.

A igualdade salarial é uma preocupação de longa data que resultou na ratificação, por 173 países em todo o mundo, da Convenção Nº 100 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre igualdade de remuneração. No entanto, apesar desse consenso global, as regulamentações não foram traduzidas em políticas e programas que permitam um progresso efetivo na redução da lacuna no mundo.

É evidente que a crise atual provocará uma queda significativa dos salários reais dos trabalhadores e das trabalhadoras em geral, mas as mulheres enfrentam esse cenário com uma série de adversidades que já existiam desde antes da pandemia e que exigirão a adoção de medidas transformadoras e políticas públicas eficazes que protejam quem mais precisa. Algo que o cidadão de bem que ocupa a cadeira da Presidência da República parece não entender, pois é complexo para ele que mulheres mereçam e devam ganhar o mesmo que os homens, ao exercerem as mesmas funções – não estamos pedindo nada demais.

O trabalho dignifica o homem – e a mulher também. Não podemos sermos privadas de exercer, de almejar uma profissão, de ter outra escolha além de ser dona de casa e mãe. “(...) ‘Nunca se desculpe por trabalhar. Você gosta do que faz, e gostar do que faz é um grande presente que você dá a sua filha.’ Acho isso sábio e comovente. Nem precisa gostar do seu trabalho. Você pode apenas gostar do que seu emprego faz por você – a confiança e o sentimento de realização eu acompanham o ato de fazer e de receber por isso.” Essa frase de Chimamanda Ngozi Adichie é o legado que toda mulher luta, desde a conquista ao voto, por igualdade em todas as áreas, sobretudo o trabalho, que nos permiti autonomia de corpos e mentes. Podemos fazer tudo o que os homens fazem e mais (Anne with na E). E não será o presidente que dirá o contrário.

Resistir à misoginia é preciso!

Belinda Oliver
Enviado por Belinda Oliver em 24/04/2021
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