DESAPEGAR. DESAPEGAR. DESAPEGAR.

Desapegar é difícil por estar relacionado com amar o verbo desapegar. O verbo é transitivo direto, desapegar de algo ou alguma coisa. E pede objeto indireto. E esse algo ou essa alguma coisa motivados por amor trazem sofrimento se afastados.

É preciso que tenham também um destino amoroso. Complicado, difícil esse encaminhamento. O vínculo é fortíssimo.

Determinados objetos estão costurados pelo sentimento, muito amados, viscerais em suas uniões com nossas almas, por isto é difícil desapegar, descartar. Desapego é uma espécie de renúncia, e renúncias são difíceis.

Não tenho livros esparsos, tinha uma biblioteca, já muito reduzida, uns mil se tantos, não é mais uma biblioteca. Não considero com este número ser uma biblioteca.

Nunca vi meu pai sem um livro na mão, seu tesouro, tesouro envolto em livros, não em vão era um fino intelectual. Que fazer com esses livros que tanto amou e unidos aos meus, os meus sem tanta soma numérica, mas que também amo. Agora estou vendo o tempo correr mais célere. Não vou deixar esse encargo para filhos; acervos para encaminhar ou vender. Foi o que fiz anos atrás, e continuo a fazer.

Não eram poucos livros, muitos e muitos, meus e de meu pai, RENUNCIADOS. Quero reduzir mais, embora tenha um escritório de cem metros quadrados folgado para abrigar o que queira. Lá estão muitas lembranças de meu pai, até cadeira de balanço original da Áustria, com seus famosos cipós, onde eu e minha irmã disputávamos seu colo para dormir e ele devorava livros. Um enorme salão. É o que está no segundo andar da casa com jirau que olha para sala da frente que pouco vou, chamamos de nosso museu, também farta, onde ficam os gostos, telas e esculturas, móveis "garimpados".

Estou vetusto, envelhecendo desde que nasci, nas fases existenciais desde que nascemos e vamos vencendo o tempo.

Envelhecemos a cada dia, mas não me sinto velho e faço o que quiser, como aos tenros anos, com intensidade, óbvio, reduzida.

Velho é o doente limitado ou quem nada mais tem de curiosidade pela vida e seus fenômenos, ou não exerce seus gostos, todos, e esqueceu de fazer o que gosta. Existe um mundo onde se descobrem maravilhas estudadas e passíveis de serem vistas. Desse mal não morrerei, inércia física e mental, só se o destino disser, “acabou, agora tem de parar”. Vai ser chato...

É como o pregão que eclode até hoje com as corruptelas de origem, “tem bicho carpinteiro”, a significar movimento, originado de “tem bicho no corpo inteiro” para designar crianças de enorme atividade antigamente, como etimológica a máxima popular originária. Sou assim, não paro.

Estamos envelhecendo, a casa é grande? A casa não é grande, grande é o nosso coração e o que ele acolhe e ama, indeterminado e infinito. E tudo que gostamos cabe dentro dele, e nele continuará morando, na lembrança, e o que me passaram, como os inúmeros livros que destinei a quem estuda de verdade a ciência do direito, e outros de filosofia, aos amigos estudiosos e jovens, cientistas de escol. O “must” da biblioteca foi para alguém que tem bolsa de estudos na Europa e EUA, e de lá voltou. Um destino de mérito, e assim por diante. E os colecionismos já doados, relógios, facas, canetas, e, e, e , e.....

Meu filho advogado, consultor de empresas, da era da tecla F4, minha filha da justiça, entrosada e disputada em assessoria de juízes, que recusa sempre, para o que chamo de “bate pronto” de uma ciência célere da qual não gosto desse expediente onde sem qualificação "assessores" exaram sentenças padrões sem nenhum cabimento, CADA CASO É UM CASO, a calamidade por este motivo é grande, em sacrifício da justiça, a outra gerente de tecnologia de projetos da Embratel, hoje Claro, alta matemática. Qual o interesse deles em livros de direito históricos, embriões da ciência que tudo regula? Nenhum. Mais ainda com a máquina da computação rápida e efetiva, mas não tanto eficiente, como creio.

Mas nossa casa é nosso grande abrigo, agora menos cheia, grande para mim e minha mulher, vivia cheia, netas, filhos, genros e nora. Agora ainda alegre, com quintal que nos conforta na reclusão forçada, mas silenciosa, até de quem nos presta serviços. Estes faço eu e minha mulher.

Desapegar, difícil, mas estou nesse caminho. É preciso. Diríamos, desapegar é fugir do que não fica, material, ficar circunscreve somente às preciosidades das memórias existentes, máximas, reais, verdadeiras, onde nada existe mais do que amor de sangue, de descendência, de família. E o âmbito é restrito, familial.

Daria tudo de desapego que tenho e construí, e me importa muito pouco, pois outros tantos ganharia querendo, se precisasse, sempre convocado e recusando, por tudo do que não posso me desapegar, nem que fosse um morador de rua, o amor que reveste meu ser e se impregna do tecido que veste minha família, meu sangue, minha vida que vivo com imensa alegria. O resto é o resto.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 07/04/2021
Reeditado em 07/04/2021
Código do texto: T7226125
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